Sobre o Inumeráveis

Arthur Martins Fraga Filho

1949 - 2020

O humor e as histórias que contava, amenizavam o sofrimento da vida. Toblerone, seu amado cão, voltou a ser sua companhia.

"Vai com Deus meu amado pai. Te amarei para sempre, parte infinita de mim. Não sou de me expor, mas preciso de palavras que possam homenageá-lo, já que a vida não permitiu uma despedida humana.

Ontem foi o dia mais difícil da minha vida. Eu enterrei meu amado e controverso pai. Ele foi vítima do coronavírus. O isolamento que ele não respeitou adequadamente, me corroía de preocupação e me tirou noites de sono. Não vou julgar meu pai. Toda raiva se dissolve em um instante. A vida é um sopro. Tudo que um dia magoou, parece não ter importância alguma no segundo que um dos amores da sua vida morre.

Seu Fraga, tricolor, pai de quatro filhos humanos e um cachorro sensacional, Toblerone, que agora tem a sorte de estar com ele.

Seu Arthur Fraga, jornalista, falador, mala, que contava 20 vezes a mesma história, a mesma velha piada, no mesmo banco da Praça é nossa. Esse homem viveu muito. Tinha muita história para contar. E como contava...

Segundo a assistente social do hospital, minutos antes de falecer, contava histórias a ela e mandou recado para eu jogar na loteria. Ele sofreu muito também, teve perdas grandes, envergou, mas nunca quebrou. Um verdadeiro sobrevivente. Tudo tinha que ser do jeito dele, ele esperneava, mas no fim das contas, estava sempre ali, mesmo que eu não lhe desse ouvidos. Ele nunca me abandonou. E em todos os momentos difíceis da minha vida ele estava lá.

Por alguma coincidência infeliz, eu estava lá no hospital, querendo saber dele quando ele se foi. Não sei se leu meu último bilhete. Não consegui dar adeus. Enterrar meu pai, sem velório, no meio dessa pandemia, me dilacerou. Parece que me tiraram um órgão, tamanha a dor. Um órgão que nem sempre me fazia bem ou estava bem, mas era vital.

Eu fiz tudo que eu podia para tentar salvar você agora. Mas sua hora chegou. Dói-me a alma toda não ter visto você antes de partir. E as saudades serão eternas. Aproveite nosso Toblerone. Você mora em mim. No meu caráter, na minha força e no meu bom humor.

Se para muitos você não foi tudo que foi para mim, ao menos tenha a certeza de que para mim você foi tudo, tudo que podia e aceito isso em paz. Vá em paz meu pai. Seja feliz com Toblerone em outro lugar.

E eu vou jogar na loteria."

Arthur nasceu no Rio de Janeiro e faleceu no Rio de Janeiro, aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

História revisada por Rayane Urani, a partir do testemunho enviado por filha Madellon Cavgias Martins Fraga, em 15 de julho de 2020.