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Dulce Rodrigues da Silva

1944 - 2020

Ela dava um jeito para tudo. Não media esforços para ajudar, e tirava do seu para dar a quem precisava.

Sempre muito "conversada", Dulce fazia amizade com todo mundo. Todo mundo mesmo. Até com russos que conheceu em um hotel nos Estados Unidos, sem falar inglês, muito menos russo, e sem aplicativo de tradução simultânea. Essa, inclusive, era uma de suas histórias favoritas. A contava gargalhando.

E por também ser muito carinhosa e cuidadosa, não media esforços para ajudar família, amigos, colegas e até desconhecidos. Dava dinheiro, comida, e mais: se preciso fosse, levava para morar em sua casa, com filhos e ex-marido. Era recheada de boa vontade.

Nos últimos anos, o Alzheimer tirou muito dos hábitos e da personalidade de Dulce, mas não a vontade de ajudar e acolher. Já quando começava a ficar debilitada pela doença, surpreendeu ao filho com uma cena inusitada: ela lavava louça com um catador de lixo, enquanto outros três tomavam café sentados à mesa. "Uma das cenas mais lindas que tive a chance de presenciar nos meus 43 anos", conta o caçula Caio.

Na sua casa, onde viveu por quase 40 anos, ela que era cozinheira por profissão e por dom, adorava fazer doces, tomar um bom café e cuidar das plantinhas. E essas atividades eram sempre embaladas pelo som de Julio Iglesias, ecoando do vinil.

Dulce também aproveitou muito bem a vida. Adorava viajar e conhecer novos lugares. Mas a maior felicidade era reunir filhos e netos "embaixo da asa". Criou e ajudou a criar cada um com total dedicação e zelo.

Mesmo com o distanciamento social, Dulce foi amada pelos familiares que a visitavam de longe, e até arrumaram uma forma de abraçá-la — usando uma roupa especial. Ao fim, a mulher falante e animada se despediu do filho mais novo apenas com um olhar, já no hospital, com o cuidado e dedicação retribuídos. Mesmo assim, a "mamãe-amiga" do Renato, Marcos Antônio, Adriana e Caio, a avó muito dedicada de 12 e bisavó de um deixou a alegria contagiante como legado.

Dulce nasceu em Andradina (SP) e faleceu em Osasco (SP), aos 76 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Dulce, Caio Almeida Braz. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mariana Campolina Durães, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 9 de agosto de 2020.