1967 - 2020
Ficava feliz em cuidar da decoração dos aniversários surpresa, sempre muito empenhada nos detalhes.
Ela cuidava da família, dos patrões e dos amigos com doçura e generosidade; era como uma daquelas flores da Amazônia: forte e ao mesmo tempo delicada, suave e intensa, e de rara beleza. Tinha uma alma gentil e tanto amor que só um coração tão grande quanto o dela era capaz de comportar. Assim era a Elcineide, que para a neta Sophia, agora é uma estrelinha.
Neide, como era carinhosamente chamada, era a caçula de oito irmãos, e viveu toda a sua infância no interior do Amazonas. Era de família humilde; perdeu o pai muito cedo e logo teve que começar a trabalhar para ajudar no sustento da família. Ainda muito novinha foi para Manaus, trabalhar em casas de família, período que se lembrava com tristeza, por todas as dificuldades e pelo sofrimento que passou em algumas dessas casas.
Quase adulta, voltou a morar com a mãe e os irmãos, já na capital, e passou a ter uma vida mais "feliz”. Nessa época frequentava algumas festinhas com as irmãs, gostava muito de dançar, namorar, se divertir e curtir o que a vida tinha de bom.
Até que, por intermédio de um amigo em comum, conheceu aquele que viria a ser o seu único amor e companheiro de toda uma vida. Casou-se com Gregório aos 23 anos e com ele deu início à sua família, que logo foi crescendo: vieram o filho Anderson, a filha Adriely e, anos mais tarde, a tão desejada neta Ana Sophia.
Neide tinha vocação para cuidar: zelava pelo bem-estar da família, dos amigos e das pessoas para as quais trabalhava como empregada doméstica. Desempenhava esse ofício com muito orgulho e dedicação; lavava, passava, cozinhava e muitas vezes ia além: ouvia, aconselhava, acalentava, dava colo e até banho, como da vez em que uma de suas patroas ficou viúva e encontrou na Elcineide o amparo e o carinho que tanto precisava para superar a dor.
À noite, ao chegar em casa, compartilhava com a família o seu dia, tivesse sido ele bom ou ruim. Em casa, sua rotina começava antes do sol nascer e terminava muito depois dele se pôr. Quando sua família despertava, já encontrava o café pronto. Mais tarde, ao voltar do trabalho, preparava o jantar; muito tempo depois, ainda estava no sofá, vendo TV enquanto esperava a Adriely chegar da faculdade, por volta das 22h30. E só depois de verificar se a filha precisava de algo, dava-lhe um beijo de boa noite, recolhia o jantar, fechava a casa, apagava as luzes e, enfim, se retirava para um merecido descanso.
Neide era apaixonada pela família, que sabia conduzir como ninguém. Cuidava da casa, do seu casamento e de seu trabalho. Não deixava nada a desejar. Era uma mulher de muitas virtudes. Sempre foi uma mãezona superprotetora, coruja, e muito apegada aos seus. Ela dizia que quando os filhos se casassem não os deixaria ir embora para longe dela e realmente não deixou: eles se casaram e construíam suas casas em cima da casa dela, por isso estavam juntos todos os dias.
Mas a vida da Neide não era só trabalho, era também diversão: gostava de confraternizar com a família e com os amigos. Todo e qualquer evento era motivo de comemoração. Ela sempre tinha algo para festejar. Gostava de casa cheia, mesa farta, bebida, muita música e diversão noite adentro.
Além do churrasco, sempre tinha algum prato que ela amava fazer e compartilhar, como a carne de panela, a lasanha, peixes, pato no tucupi, frango assado e tantos outros, que preparava com amor e onde imprimia um pouco da sua identidade: tudo tinha "a cara da Neide".
Ela gostava de passear com a família nos finais de semana, para se banhar na praia, nos rios e igarapés, e curtir passeios de barco e outros bem típicos da região. E quando ela não saía para algum lugar, fazia a festinha em casa. Amava dançar, hábito que cultivava desde a adolescência, quando saía com as irmãs, e foi assim até o fim. Dançava quando estava só ou nas reuniões que fazia em casa com os amigos, onde sempre tinha música e ela puxava alguém para dançar.
A Neide não cuidava apenas do outro, cuidava de si também: sempre reservava um tempo para o cabeleireiro, que disso não abria mão; cuidava das unhas e da maquiagem; gostava de bijuterias: usava pulseiras que tilintavam nos pulsos e tinha os dedos coberto de anéis. Era uma mulher vaidosa.
Alcineide deixa a neta Sophia, tão sonhada e desejada; Anderson, o filho querido, e a nora; o seu companheiro de mais de trinta anos, que chamava carinhosamente de “amorzinho”; e a filha Adriely, sua companheira de compras, dos passeios no shopping — e sua parceira de dança, enquanto sozinhas preparavam o jantar.
“Ela foi o amor da minha vida! Minha melhor amiga... Éramos grudadas, íamos para todo lugar juntas. Eu com quase 30 anos ainda me deitava no colo dela, dizia que a amava todo dia. Ela era tudo pra mim...”, conclui Vanessa.
Elcineide nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Elcineide, Adriely da Silva Lira. Este texto foi apurado e escrito por , revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 6 de janeiro de 2022.