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Felipe Silva de Castro

1986 - 2020

Vivia como se houvesse uma festa dentro de seu peito. Para ele, sorrir era como respirar, uma necessidade existencial.

Felipe foi uma fonte inesgotável de afeto e beleza nessa vida. “Falar do Felipe é algo muito lindo para mim, é uma honra, meu filho era alegria! Animado, brincalhão, amoroso, e também dengoso. Ele era um verdadeiro parceiro!”, conta emocionada a mãe Rosemeire, cheia de saudade da graça que o filho transbordava diariamente.

Felipe teve alguns problemas de saúde e passou por momentos difíceis, nesse tempo, sua mãe foi uma de suas maiores companheiras. Apesar do momento delicado, as histórias colecionadas e contadas por dona Rosemeire são iluminadas pelo riso dos dois.

“Nas consultas médicas eu estava sempre acompanhando ele, então a gente brincava muito pelo hospital, até quando ele quebrou o fêmur, eu empurrava a cadeira de rodas e brincava junto. Nós éramos como dois amigos, sempre brincando ou fazendo piadas”, relembra a mãe.

“Teve um episódio em que ri muito desse menino. Naquela oportunidade, quando ele quebrou o fêmur, ficou sem andar e precisava usar a cadeira de rodas. Um dia, levando ele para fazer os exames, na volta, saindo do hospital, estávamos descendo uma rampa, e era preciso fazer um pouco de força para ir segurando ele. Então passou ao nosso lado um outro homem que descia em uma cadeira de rodas motorizada. O Felipe olhou pra mim e falou 'ô mãe, olha essa cadeira de rodas, eles doam aqui no hospital, vai lá descobrir onde é que consegue uma pra mim, porque assim a senhora não fica pegando peso e eu vou pra todo lado com a cadeira motorizada’, eu comecei a rir muito e falei ‘Felipe toma vergonha nessa sua cara menino, você tem é que ficar em pé e andar, se nessa cadeira que é preciso empurrar, você não para, imagina numa cadeirinha dessa igual uma moto, nunca mais a gente te encontra’, eu ria e ele ria. E ele falava ‘é mesmo né mãe, eu ia cair no mundo, ia andar na avenida São Miguel, colocar umas luzinhas atrás da cadeira’”, conta Rosemeire.

Mas o Felipe não só fazia rir, ele também inspirava. Foi por causa dele que o irmão Vinícius se formou em enfermagem, “ele dizia que queria cuidar do irmão um dia, de início a motivação foram os problemas de saúde do Fê, mas aconteceu do Vinícius cuidar do irmão nesse último momento, e assim ele fez, até a sua partida”, conta a mãe dos meninos, orgulhosa.

Mas esse cuidado familiar entre irmãos sempre esteve ao redor de Felipe desde muito pequeno. A vida inteira teve o companheirismo do irmão mais velho, Magno, com quem na infância dividia os brinquedos e os olhares como se eles fossem gêmeos, "eles tinham menos de dois anos de diferença de idade, eram muito parecidos e tinham o mesmo tamanho, por isso eram confundidos com gêmeos", relembra a mãe sorrindo. "Entre eles havia muito amor envolvido e cumplicidade, uma farra, uma amizade rara entre irmãos", conta a mãe Rosemeire, que sente imensamente a dor do filho pela perda do irmão.

Felipe é tão amado pela família que era até merecedor de duas mães, a segunda era a sua tia Julita, pessoa que sempre recebeu o rapaz de braços abertos nos momentos em que ele precisou, “a minha irmã amava muito o Felipe, ele era como um filho para ela também”.

Foi em um desses momentos que a tia Julita recebeu Felipe e sua companheira Carolina para morarem em sua casa. Momento importantíssimo para a vida de Felipe, por ter reencontrado seu grande amor, a Carol, e por ter a chegada da filha deles, a menininha Mariah. "A Carol foi namoradinha do Felipe na adolescência, mas se separaram e cada um seguiu seu caminho, casaram, tiveram filhos. E após muitos anos, quando já estavam divorciados, acabaram se reencontrando e voltaram a se relacionar.", conta a mãe Rose sobre a história de amor e reencontro dos dois, "a Carol amou e ama muito o meu filho", completa a sogra, feliz pelo filho ter sido tão amado.

Felipe foi pai de duas meninas, Mariah de um ano e Laura de onze. “Quando descobriu sobre a chegada da primeira filha, ele estava muito triste pela doença que tinha nos rins, e a Laura veio trazer um novo ar para vida do meu filho, ela deixou a vida dele mais leve e feliz. A minha neta é tudo de bom, ela é linda, gosta de coisas afro igual a mim, e tem o jeitinho do pai”, conclui Rosemeire que confessa ser apaixonada pelas netas.

“Já a Mariah tinha apenas 6 meses quando o Felipe partiu. O mais interessante é que eu falava ‘caramba, não vai ter um filho que vai me dar um netinho negro?’ e ele falava ‘mãe eu ainda vou te dar esse neto’, e ele me deu a Mariah, que é a coisa mais linda da minha vida. No dia em que ele chegou da maternidade com ela, já foi falando assim ‘óh eu não disse que ia te dar um neto do jeito que a senhora queria? Te dei foi uma neta, e essa é pretinha viu ?’. Ele sabia que eu amo menina, porque eu só tive meninos, e ele me deu duas meninas”. Conta a mãe-avó sorrindo e ressalta, “mas não tem diferença nenhuma, porque o amor não tem cor, não tem religião, não tem sexo, não tem nada, é apenas amor. Como mãe e avó, Deus me deu os maiores presentes da minha vida”.

Para os amigos, Felipe era o PEC, apelido que deram a ele por ser parecido com um cantor norte- americano que tem esse nome. Os amigos, que eram em sua maioria do futebol, fizeram uma homenagem a ele após sua partida. Foram balões, bandeiras, e camisetas do time com o nome do amigo estampado. Em memória de PEC, a trilha sonora tocada pelos amigos foi repleta de muito samba e batuque em sua homenagem.

Felipe deixa saudade, e nela a confirmação de que somos seres únicos em cada pequeno traço de um sorriso dado ou recebido. A lembrança do seu riso, certamente refletirá no rosto de cada um dos que o amam e poderão contar suas histórias.

Felipe nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 33 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela mãe de Felipe, Rosemeire Ramos da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Criles Monteiro, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 8 de junho de 2021.