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Fernando La Rocca

1950 - 2021

“Tirando os problemas, o resto tá tudo bem”, era a resposta dele quando alguém perguntava como ele estava.

Nascido na Zona da Mata de Minas Gerais, Fernando era o caçula dentre oito irmãos. De família humilde, todos os anos ganhava a mesma bola vermelha na época de Natal, mas o brinquedo era suficiente para a diversão do menino.

A época da infância cheia de peraltices ficou registrada nas imagens em preto e branco do álbum de fotografias. Ainda moleque, aos 12 anos, a família mudou-se para a capital mineira. Os pais, Nicola e Maria, mais os irmãos instalaram-se no bairro Sagrada Família, onde, até os últimos dias neste plano, Fernando podia ser visto assobiando pelas ruas ou cantando uma versão própria dos clássicos italianos ou do cancioneiro nacional.

O garoto travesso deu lugar a um jovem espirituoso, com um jeito único de falar e de criar brincadeiras. Ele era o tio brincalhão, o amigo farrista, que também tinha a postura e atitudes de um homem sério e responsável.

Em maio de 1969, foi recrutado para servir o Exército Brasileiro no Comando da 11º Região Militar do Planalto, na jovem Brasília. Lá, a experiência como entregador de pão (na padaria dos irmãos e do pai) fez a diferença, dando-lhe a oportunidade de se tornar motorista do coronel.

Na década de 1970, trabalhou como motorista na indústria Isomonte, em Contagem, até descobrir a paixão pelo Direito e iniciar o curso na Faculdade Milton Campos. Na mesma época conheceu a futura esposa, Nilma, e adotou o bigode, que se tornou sua marca registrada.

Os anos de 1980 não foram um período de grandes conquistas para o time do coração, o Cruzeiro Esporte Clube. A equipe da raposa só ganhou dois campeonatos estaduais naquela década, um em 1984 e outro em 1987. Porém, o principal título foi o de Pai, que chegou em 1986 com o nascimento do primeiro rebento, batizado Fernando La Rocca Junior. Cerca de três anos mais tarde, Frederico Nicola veio ao mundo e completou a escalação. Além do nome, Juninho também herdou o timbre da voz, a paixão pelo futebol e por veículos antigos. Fred ficou com o gosto pela música e os cabelos cacheados.

Há quem diga que Fernando era um acumulador. E não há como negar! Fernando acumulou amizades no balcão da padaria, no ponto de taxi da pracinha, pelas ruas movimentadas do Centro, entre os senhores da Praça Sete, nas filas dos comércios, entre os vizinhos do bairro e em qualquer outro canto por onde passou. Ele também guardou os bilhetinhos dos filhos, parafusos velhos, nomes de ruas e o hábito de fazer o sinal da cruz quando se levantava da cama, de manhã.

Além de boas lembranças, histórias engraçadas e saudade, Fernando deixou os filhos Juninho e Fred, os irmãos Mafalda, Dorino, Zezé e Vilma, a nora Izabela, sobrinhos, tantos amigos e muito amor para a netinha Carol. Ela até tentou vir antes para ir pro colo do avô e puxar o bigode dele, mas chegou na hora certa para trazer felicidade para uma família que só andava triste.

Fernando amava receber os amigos e a família em casa. Mantinha sempre uma cerveja geladinha e algum petisco para oferecer a quem chegasse à Cantina La Rocca. Seu último aniversário foi celebrado na companhia de pessoas queridas que ele não via há algum tempo.

Fernando nasceu em Ubá (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Fernando, Fred La Rocca. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 15 de fevereiro de 2022.