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Francisco Antonio Lioi

1970 - 2020

"Somos uma força só", repetia convicto de que uma família unida vence qualquer obstáculo e vive mais feliz.

Francisco, Chico, Chicão ou Francesco, como o chamavam, era um homem de muitas paixões, mas a maior delas era a família. Filho de italianos, tinha um orgulho enorme dos pais, Giovanni e Ângela. Por toda vida, expressou a gratidão que sentia por tudo que os dois fizeram por ele. Também ficava evidente a admiração pela história de vida dos dois.

Os irmãos, Vicente, Maria Caterina (Caty) e ele, seguiram o lema "Um por todos e todos por um", como os pais ensinaram, sempre. Amavam-se muito.

A tradição que mais gostava do país de origem dos pais era reunir os seus com amor e alegria. Tinha o desejo de que os dois filhos — Francesco e Vicente — crescessem juntos dos sobrinhos — Giuliano, Giovanni, Marcello e Ângelo. Ele fazia de tudo para transformar essa vontade em realidade. Ainda falava que morria de orgulho dos "seis moleques" do clã.

Tudo girava em torno da família. Ele e o irmão Vicente eram vizinhos. Francisco, ele e o cunhado, Eurides, que eram sócios, construíram a casa dos dois irmãos uma ao lado da outra, no condomínio Villaggio Tre Gemelli. Essa era uma das grandes alegrias que ele tinha, pois Vicente era um grande companheiro de vida. Eurides, que também participou da construção, era seu fratello (irmão), como ele o chamava.

Além de ser fã dos pais, o nonno paterno, Francesco Antonio e a nonna materna, Agnese, eram seus ídolos. O nonno foi um combatente de guerra, veio para o Brasil com o pai de Francisco e o restante da família. A imigração se deu depois do combate, em busca de melhores condições de vida, já que a Segunda Guerra Mundial deixou a Itália em crise. A nonna Agnese veio um tempo depois, com as filhas, inclusive Ângela, que se casaria com Giovanni, pai de Chico, anos depois.

Francisco dizia: "Minha avó era uma mulher de verdade". Comentava, orgulhoso, sobre a coragem dela de, sozinha, vir para um país desconhecido e de toda sua luta em solo brasileiro.

A profissão, de construtor, também foi aprendida com um familiar, o tio Tommaso. Ele acompanhava Francisco em todas as obras enquanto pôde. Foi junto de Tommaso e da tia Natalina que Chico foi à Itália pela primeira vez, em 2000.

Trabalhou, ainda, como corretor de imóveis. Tinha muito orgulho das duas profissões e com muito empenho trabalhou incansavelmente para oferecer o melhor à esposa, Glauce, e aos filhos. Como não poderia deixar de ser, realizou um dos grandes sonhos da vida com Glauce: constituir a própria família, ser pai.

Esse descendente de italianos também amava carros antigos. Nas horas vagas, restaurava veículos e revendia alguns. Os preferidos eram os carros dos anos 90, especialmente o Opala e o Gol.

Ele não deixava uma brecha de estar com a família escapar. Em 2015, os pais estavam planejando uma viagem à Itália. A princípio, ele não iria. Mas como ele não perdia oportunidade de estar junto, logo arranjou um jeito de acompanhá-los. Dizia que queria ver a emoção dos pais ao voltarem à terra natal cerca de cinquenta e oito anos depois de terem vindo para ao Brasil.

Também estavam nesta viagem os filhos e a esposa do Chico, além da família da irmã Maria Caterina. Ele não ficou de todo feliz porque o irmão, Vicente, não pôde ir, pois o filho, sobrinho do Chicão, tinha apenas um ano.

Caty conta que Francisco se emocionou muito nesta viagem. Bastava ouvir uma música italiana, se deparar com um lugar afetuoso para a família ou um acontecimento.

Em toda sua vida, a paixão pela Itália esteve presente. Amava música italiana e sempre pedia ao sobrinho Giuliano para tocar "Sole mio" no piano. Dizia: "Giu, toca para o tio". Quando não estava perto dele, assistia a um vídeo de Giuliano tocando a canção.

Além de quem tinha o sangue de seu sangue, Francisco via mais gente como familiar. Os agregados tornavam-se seus "fratelli", rapidamente. Era com o termo em italiano, que significa irmãos, que ele chamava os cunhados Andrea e Eurides.

Aliás, com Eurides, Chico viveu muitas histórias, a relação era mesmo fraternal.

"Ele preenchia todos", diz a irmã Maria Caterina.

Caty conta que Francisco deixou muitos ensinamentos. Um deles é sobre pedir por aqueles que nos aborrecem ou fazem mal. Quando as pessoas reclamavam de alguém, ele falava: "ela precisa de sua oração, pois não tem seu conhecimento, sua luz. Acenda uma vela por essa pessoa". Nunca incentivava uma briga.

Segundo a amiga da família, Antonieta, a amizade de Francisco também era especial. Ela conta que os amigos ficaram órfãos. Mais do que fazer algo quando pediam, Francisco conseguia ajudar antes, tinha o dom de se antecipar ao que aqueles que amava precisavam.

De acordo com ela, Chicão também era um "gentleman". Ela, que é bem mais velha que Francisco, conhecia-o desde que Francesco nasceu, conta que brincava que iria se casar com Francesco assim que ele crescesse. Sem conseguir dizer não, Francisco, ainda criança, respondia: "mas eu serei padre".

Nas festas dos Lioi, os dois se divertiam muito juntos. A alegria fazia parte dele. Cantava, dançava, fazia piada e até "perturbava" (brincando), com respeito e amor, os convidados.

Devoto de São Bento, sempre andava com a medalhinha do santo e encontrava na sua oração um propósito: "nenhum sofrimento é em vão". Francisco também tinha o costume de presentear aqueles que gostava com a medalha de São Bento.

Católico fervoroso, sua fé era maior que ele. Inclusive, uma das atividades dele e de Caty era rezar juntos. Os dois tinham uma relação para "além desse mundo", como define a própria Maria Caterina.

Quando ficou doente, os amigos e a família se reuniram, virtualmente, em oração. Antonieta conta que foram muitas as pessoas que rezaram por Francisco. E depois que ele partiu, os grupos de oração tornaram-se locais de homenagens ao grande homem que Francisco foi.

"O planeta Terra empobreceu com sua ausência, ficam teus exemplos de amor, fé e generosidade ímpares. Os Céus estarão muito afortunados com seu retorno. Gratidão por todos esses anos de convívio e aprendizado com você", disse Antonieta ao lembrar-se do amigo-irmão.

Francisco tinha como lema "Somos uma força só". Repetia essa frase como um mantra, convicto de que uma família unida vence qualquer obstáculo, vive mais feliz e realizada.

"Viva, Francisco. 'Somos uma força só'", repete a irmã que aprendeu direitinho com ele.

"Enquanto eu viver, Francisco viverá em mim. Ele era amor e sentimentos puros", completa Maria Caterina que sente a luz do irmão o tempo todo.

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Fanático pelo Palmeiras, tinha uma grande paixão pela família.

Por algumas pessoas era conhecido como Chico, por outras, como Italiano, pois era filho de italianos. Seus familiares falavam as duas línguas: o italiano e o português.

Chico era casado com Glauce. Era corretor de imóveis. Suas grandes paixões eram: sua família ─ os pais, dois irmãos, esposa e dois filhos ─, e também o seu time do coração, o Palmeiras. Ah, como o Italiano era fanático e torcedor de verdade do Verdão.

Ele gostava de estar em família, de assistir aos jogos do Palestra e era muito religioso. Chico possuía uma fé linda, um coração maravilhoso e uma bondade infinita. Uma pessoa iluminada e de uma felicidade admirável. Amava tudo e todos que o cercavam.

Chico agora é lembrado com felicidade, pois estava sempre sorrindo e fazendo os outros rirem. Sua marca era a felicidade, que transbordava por onde passasse, porque seu carisma e sua fé contagiavam todos ao redor.

Francisco nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela amiga, pela irmã e pela prima de Francisco, Antonietta Domine, Maria Caterina Iloi e Izabella Lioi Martins. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos e Thalita Ferreira Campos, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 20 de novembro de 2020.