1938 - 2020
Balançava-se na cadeira em seu lugar preferido: o canto da varanda de casa.
Francisco Cavalcante ou "Chiquin Canela", como era conhecido, era um senhor do interior do Ceará, de uma cidade tão pequena quanto sua estatura. Era um homem trabalhador que levantava muito antes do sol para fazer o café.
Apesar de não gostar de barulho, amava ouvir cantoria bem alto no radiozinho da cozinha. Era uma pessoa discreta e de vida sem pressa, mas resolutivo.
Teve 12 filhos, mas perdeu uma quando ainda bebê. Chiquin teve 26 netos e nove bisnetos. Companheiro e muito, muito amigo de sua esposa, Verônica Bandeira, tinha uma mania conhecida e peculiar de só gostar de sentar-se na cadeirinha de balanço da esquina da sua varanda.
Era um exímio apreciador do silêncio, mas sua casa era sempre cheia. Todos os dias, fazia cuscuz para os filhos e netos que diariamente iam até lá conversar enquanto se balançavam nas cadeiras.
Quando ainda não sofria com os sintomas do Parkinson, sempre que saía de casa, seja pra comprar açúcar e cuscuz para a esposa ou para tirar leite da vaca, colocava, calmamente, a blusa de botão e o chapéu. Quando ia ordenhar sua única vaquinha, subia na motinha e, de longe, se percebia o vento batendo nele; e ele parecia sentir a satisfação e a liberdade no rosto. Reservava algumas garrafas de leite para os seus filhos e pedia para devolverem as garrafas pet com as tampas.
Fazia café para as visitas que chegavam na varanda e servia, lentamente, uma a uma. Depois passava para recolher as xícaras. Tinha a voz mansa e baixa e o coração imenso. Era um pouco envergonhado para expressar carinho, mas amava chamegar o papagaio. Tinha o riso lindo, sincero, puro e discreto. Comia cuscuz com leite e rapadura e, depois de jantar, sempre orava em silêncio, com a mão discretamente erguida.
Chiquin Canela deve estar agora sentindo aquela mesma sensação de satisfação e liberdade de quando montava em sua motinha. Ele está em paz.
Francisco nasceu em Jaguaribara (CE) e faleceu em Limoeiro do Norte (CE), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Francisco, Érica Bandeira de Almeida. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Lígia Franzin, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 29 de novembro de 2020.