1949 - 2020
Comprou uma van para que a família Barrilli não se separasse nem no deslocamento das viagens.
Na linguagem do amor de Henrique, a palavra principal era cuidado. Desde muito cedo, quando o pai adoeceu e faleceu, ele deu muito apoio à mãe e às irmãs. Com a chegada dos filhos, a preocupação em prover tudo o que precisassem estava em primeiro lugar, mas não só com bens materiais. Criar pessoas justas e honestas era primordial para esse servidor público com verve empreendedora. Ele também incentivava os filhos a terem independência financeira e a prosperarem financeiramente.
Antes de a esposa, Roseli, ficar grávida, ele tentou cargos executivos e negócios próprios. Por um tempo, foi taxista, função que adorava. Quando nasceu, a primogênita, Carolina, levou o pai a rever seus planos; Henrique acabou por dar uma pausa no sonho de empreender em busca de estabilidade para a família, e voltou seus olhos a outra prioridade: estar com os seus pelo maior tempo possível.
Estudioso e muito inteligente, ele passou em primeiro lugar no concurso para tesoureiro na Prefeitura de São Paulo. Mesmo assim, continuou fazendo provas para tentar postos melhores. Dois anos depois, em um concurso para fiscal do estado de Goiás, foi classificado para o cadastro de reserva. No entanto, a prova foi cancelada devido a uma fraude. Assim, Henrique ganhou uma segunda chance, e estudou mais do que nunca.
"Não tínhamos dinheiro para pagar um cursinho. Ele estudava sozinho, horas a fio. Eu pegava materiais na biblioteca para ele e o apoiava dizendo que iria para qualquer lugar que ele fosse", conta Roseli.
Os esforços extras levaram Henrique da posição 330 para a 32, lugar que lhe garantiu a posse. Em 1984, ele assumiu o cargo e se estabeleceu em Goiânia. A esposa, que concluía um curso técnico e um estágio, foi um ano depois com a filha. Adaptaram-se muito bem à capital goiana, onde o paulista construiu a maior parte de sua história.
Henrique Júnior e Cecília nasceram em Goiânia. Todos se lembram do pai como um homem que lhes ensinou a pescar em vez de lhes dar o peixe. Era exigente com as notas escolares e se preocupava muito com a formação do caráter dos filhos.
A função de Henrique exigia muitas viagens. A filha mais velha fazia birra quando ele saía, mas matava as saudades no regresso de uma forma doce. "Ele trazia abacaxi e cana, que saboreávamos por horas no quintal", conta Carolina. Também foi inesquecível o buquê de rosas vermelhas que ela ganhou do pai quando passou no vestibular - era a primeira vez que ela ganhava flores.
Henrique incentivava o filho a se exercitar, porque ele era franzino na infância. Assim como fez no esporte, Henrique aconselhava Júnior em tudo: no casamento, na paternidade e nos negócios. Em retribuição, quando Júnior já era faixa preta, começou a dar aulas de luta para o pai.
Participava dos negócios de toda a família. Primeiro, foi sócio da esposa em uma loja de tintas. Depois, quando Júnior montou uma loja de bijuterias com a irmã, Cecília, Henrique deu suporte. Posteriormente, contribuiu com o planejamento de um quiosque de bordado computadorizado para o filho.
Havia algumas regras na casa dos Barrilli. Uma delas era deixar a TV desligada durante o almoço, a hora da família. Porém, toda regra tem exceção: "Na Copa, pode. É só de quatro em quatro anos!", justificava. Fora da época do maior evento futebolístico do mundo, ele desfrutava da companhia do filho nos jogos do São Paulo. Outra norma era estarem juntos no almoço de domingo. Todos podiam dormir fora no sábado, desde que chegassem a tempo do compromisso sagrado.
Ele também foi avô. Em um primeiro momento, o cuidado continuou a ser a forma de demonstrar amor pelos netos. Depois, ele começou a amolecer, a ficar mais carinhoso, como conta Cecília.
Com a esposa, a demonstração de amor nunca foi reprimida. Não havia hora para um abraço ou beijo. Ele escolhia as palavras com carinho quando falava com ela. Depois de décadas de casados, eles ainda mantinham o "dia do casal": uma vez por semana, tinham programas só deles. Henrique afirmava que em um casamento feliz deve haver demonstrações públicas de afeto, e que o casal precisa de um tempo exclusivo.
Ele dizia que os dois se conheceram por obra do destino. Roseli acompanhava a irmã em encontros com o namorado, pois seu pai não queria que a filha ficasse a sós com o rapaz. Em um desses encontros, o então cunhado levou Henrique, que se apaixonou por Roseli. O namoro da irmã acabou, e o de Roseli e Henrique transformou-se em um casamento duradouro.
Ateu, respeitava todas as religiões, e chegou a conhecer o budismo mais de perto. Em casa, também convivia com o catolicismo e o espiritismo, mas o que o guiou foi uma sólida base moral, como definem os filhos. "Ele tinha a justiça e a honestidade como grandes valores", conta Henrique Júnior.
Como marido e pai, ele nunca se ausentou, sempre ajudava, qualquer que fosse a situação. Também apreciava viajar com todos juntos - filhos, noras, genros e netos.
Certa vez, a família inseparável viajava a bordo da van para Bertioga, Litoral Norte de São Paulo. O que eles não sabiam é que era proibido trafegar com esse tipo de veículo naquela cidade. Assim, ela ficou estacionada fora do perímetro urbano até a volta. A viagem aconteceu na virada de 2019 para 2020 e rendeu excelentes memórias. Foi a última em família, com direito a camiseta personalizada dos Barrilli.
Henrique gostava tanto do litoral que já havia manifestado à família o desejo de ter suas cinzas jogadas ao mar após sua morte, unindo-se à imensidão do oceano, grande como o amor deles por esse grande homem.
Henrique nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Goiânia (GO), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelos filhos e esposa de Henrique, Carolina, Henrique, Cecília e Roseli. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Elias Lascoski e moderado por Rayane Urani em 19 de setembro de 2021.