Sobre o Inumeráveis

Idalino José Ferreira

1933 - 2020

Em respeito à vida, tornou-se vegetariano aos 60 anos. Queria viver até os 100.

Uma vida de muito trabalho para cuidar dos 14 filhos. Assim foi a trajetória de Idalino, que, nascido no interior, no sul da Bahia, não teve tempo para muitos estudos.

Dalo, como era chamado pelas cunhadas, ou Mago, outro apelido que ganhou por ser muito magro, sempre trabalhou pesado. Quando mais novo, lidava na roça, tirando da terra o sustento. Mais tarde, em Itabela, foi ajudante de serraria, onde tinha que carregar peças pesadas de madeira. As tarefas exigiam bastante esforço físico e eram realizadas com cuidado e correção.

Com o salário que ganhava, juntamente com a esposa Anália, cuidou dos filhos e viu nascer os mais de 30 netos. Teve a visão prejudicada desde o momento em que precisou ajudar a combater um incêndio numa serraria. "O calor foi tanto que queimou as minhas córneas”, como ele mesmo contava.

A vida na Bahia era difícil. Por esse motivo, seguindo o caminho de alguns filhos que moravam no Pará, mudou-se com a família para Paragominas, em busca de uma vida melhor. Na cidade, trabalhou no comércio do genro Geraldo e depois se aposentou.

Foi nesse momento da vida que Idalino pôde deixar desabrochar o afeto. Sempre muito rígido na criação dos filhos, não era muito de expressar carinho. Mas, com a aposentadoria e a idade, tornou-se mais carinhoso tanto com os filhos como com os netos.

Quando o filho Romário teve as gêmeas Leandra e Larissa, Dalo e Dona Anália resolveram ajudar a cuidar das meninas. Muitas vezes as duas ficavam na casa dos avós para que os pais, muito novos, pudessem trabalhar. E Idalino acabou se afeiçoando tanto por Larissa que num dado momento a menina passou a morar com eles, sendo criada como filha.

Sempre muito caseiro, Idalino não gostava muito de viagens. Quando Dona Anália resolvia ir visitar algum dos filhos na cidade de Tailândia, no interior do Pará, ele preferia que ela fosse sozinha.

A partir dos 60 anos Mago adotou uma alimentação vegetariana, baseada em verduras, legumes e alimentos crus. A mudança no hábito alimentar, que eliminou a carne da dieta, surgiu da leitura da Bíblia. Remetendo ao mandamento “não matarás”, Idalino dizia que “se não posso matar uma galinha para comer, não é certo continuar comendo carne”. Entre os pratos preferidos estava o cuscuz doce. Tinha que ser cozido na cuscuzeira com açúcar. Depois, no prato, jogava leite frio por cima.

A filha Rosiane conta que depois de uma certa idade o pai ficou mais dependente. Com a morte da esposa, Dalo teve depressão e morou algum tempo sozinho, até que a filha Rosana decidiu levá-lo para morar na casa dela. Já com seus 80 anos, apresentando sinais leves de Alzheimer, Idalino se esquecia um pouco das coisas. Mas, sempre forte e saudável, em conversas com Rosiane, dizia que queria viver até os 100 anos. Ela respondia que ainda faltava muito tempo para chegar lá, e sem titubear ele devolvia: “o que é que tem, eu não sinto nada”.

Com a convivência diária na casa de Rosana, Idalino ficou muito apegado à filha. Quando ela estava de saída sempre perguntava onde ela estava indo e dizia “eu vou mais você”. Se não pudesse ir junto, não demorava para passar a perguntar: "Cadê Zana?".

Entre as razões que levaram a filha Rosiane a querer prestar esta homenagem está um sentimento de gratidão. "A gente vê como é a vida e como muda de papel. Na relação com o pai, os papéis foram se invertendo. Ele, que antes se esforçou para cuidar da gente, no final precisou de nosso cuidado.” Foi assim que decidiu retribuir o que Idalino fez por toda a família contando a história dele, desejosa de que, na saudade, a memória dele siga sempre viva.

Idalino nasceu em Guaratinga (BA) e faleceu em Paragominas (PA), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Idalino, Rosiane Araujo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 4 de agosto de 2021.