1929 - 2021
Donazabé foi alfabetizada aos 70, e sua admirável sabedoria ia além das letras: pressentia de longe uma gravidez.
Dona de um olhar que transbordava doçura e de um abraço acolhedor onde sempre cabia mais um, Donazabé não deixava que ninguém saísse de sua casa sem antes tomar ao menos um cafezinho. Lá, havia sempre um café e uma palavra de conforto e amizade.
Era uma mulher conservadora, membro da Assembleia de Deus e bastante reservada. Já a neta Susi, que presta esta homenagem à querida avó, considera-se totalmente diferente: "Não sou nada conservadora, sou empoderada, militar e comediante. Talvez por isso, pelas diferenças, nós éramos tão próximas e tínhamos uma sintonia tão boa. Apesar de tudo, éramos muito parecidas também. Eu contava casos e piadas e ela se encantava com isso e, mais ainda, quando eu chegava para visitá-la. Ela dizia que eu era a neta que a inspirava e que desejava ter sido como eu, ter a minha profissão".
Na verdade, foi Susi quem se inspirou na avó ─ Izabel havia sido parteira no passado ─ e a neta atuou na linha de frente como enfermeira durante a pandemia, ela ocupa o posto de sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro.
"Certa vez, ela me confidenciou que, antes de conhecer o meu avô, havia namorado um bombeiro, e pediu para que eu procurasse por ele. Na época, Vozabel estava com uns 88 anos e é claro que não encontrei o tal bombeiro, mas achei linda a confiança que ela teve em mim. Quando eu sumia por uns tempos, ela mandava me chamar", lembra a neta.
Já septuagenária, tomou uma decisão importante: quis ser alfabetizada. As aulas se davam no período noturno, numa escola pública e, com muito afinco e dedicação, ela vivia treinando sua delicada caligrafia.
Em princípio, sua vontade de ler a Bíblia falou mais alto, mas, depois que aprendeu a assinar o nome, passou a não aceitar mais o documento de identidade com o polegar impresso e fez questão de tirar outro documento novinho e assinado vagarosamente e com muito cuidado. Que satisfação Donazabé sentiu naquele dia!
"Vozabel sabia logo se alguém estava grávida ─ percebia antes de qualquer um ─, o que fazia com que as mulheres da família até evitassem chegar perto dela em algumas ocasiões", conta Susi sorrindo ao relembrar as tantas vezes que se esconderam dela.
Izabel era uma excelente dona de casa. Carregou muita lata d'água na cabeça, muita lenha... Suportou inúmeras dificuldades, mas criou 13 filhos com louvor e teve vários netos e bisnetos. "Tudo foi feito com muito sacrifício, mas ela teve o prazer e o orgulho de vê-los crescerem e se tornarem pessoas de bem", reflete Susi que sente falta do jeito acolhedor da avó e de ouvi-la dizendo que ela era sua "neta predileta".
"Descanse em paz, Vozabel. Sentimos sua falta!", conclui Susi em nome da família.
Izabel nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu em Nova Iguaçu (RJ), aos 91 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Izabel, Susidely de Melo Machado. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Renata Nascimento Montanari e moderado por Rayane Urani em 12 de agosto de 2021.