1941 - 2020
Ele alimentava o sonho de conhecer o Peru, porque todos o achavam parecido com os peruanos.
João era mais conhecido como Jones por estar sempre à frente na vida e das ideias que o mundo lhe apresentava.
Sua história de amor com Maria das Dores desenrolou-se como o enredo de um filme iniciado no momento em que se viram pela primeira vez. Certo dia ele entrou para almoçar no restaurante em que ela trabalhava em São Gotardo, Minas Gerais. Quando a avistou, encantou-se instantaneamente e convidou-a para irem juntos a São Paulo. Ela, que também havia se interessado por ele, disse “sim” sem hesitar e os dois marcaram de fugir. No dia seguinte ela ficou esperando no local combinado, ele apareceu e os dois partiram para terras paulistas.
João e a esposa viveram juntos por cinquenta e dois anos. “Ele foi um excelente marido! Fazia tudo pela minha mãe: ofertava-lhe proteção, carinho e a compreendia como ninguém. Considerava a família da minha mãe como se fosse a sua”, conta a filha Juliana.
Ela descreve o pai como a pessoa mais incrível, inteligente e sábia que conheceu. Conta que ele lia muito e que, desse modo, conhecia todos os assuntos com propriedade. Paciente e amigo, gostava de saber todos os detalhes da vida dos filhos e, de muito boa convivência, mantinha-se sempre pleno e contente.
E ela continua relatando: "Como pai de Luís Carlos, Ricardo, Juliana e Rodrigo, foi extremamente sábio! Durante a vida ele pôde aprender muito e repassou todos esses ensinamentos aos filhos; sempre nos explicava sobre as dificuldades que encontraríamos pelo caminho e o quanto precisávamos ser fortes. Nunca nos deixou faltar nada! Ao lado dele, tínhamos um lar, alimento, cuidado, carinho e podíamos sempre contar com um porto seguro. Em hipótese alguma levantava a mão para algum filho, pelo contrário: passava horas explicando por que aquela nossa atitude estava errada. Na minha opinião, ele foi nosso guia, uma luz em nossa vida! Era inteligente, parceiro, explorador de livros e de sabedoria e, como marido, era um ferrenho e incondicional defensor de sua esposa. Para a família foi um bom ouvinte e um apaziguador incrível”.
João tinha cinco netos: Guilherme, Mariana, Maria Luiza, Júlia e Fernando. Era muito querido por todos eles! Com a esposa, ajudou a cuidar de Mariana, filha de Juliana, para que ela pudesse trabalhar e, por consequência, criou-se uma relação muito especial entre ela e os avós. João sonhava vê-la se casando e tendo filhos.
Foi um excelente Mecânico de Manutenção e também cuidava muito bem de sua própria casa. Extremamente trabalhador, mesmo tendo se aposentado cedo, continuou trabalhando por muitos anos — além de realizar diversos afazeres domésticos para auxiliar a esposa.
Suas músicas favoritas eram "Chalana" e "Menino da Porteira". Não torcia para nenhum time, mas para deixar a filha feliz dizia ser palmeirense; e, para agradar o genro, dizia ser santista. Nas horas vagas gostava de ler e assistir a filmes. Lia sobre todos os assuntos, mas preferia aqueles que ampliassem seu conhecimento sobre os países. Conversava bastante sobre guerras, porta-aviões e múmias. Depois de alguma leitura, sempre compartilhava com os filhos e netos os seus novos aprendizados. Seus livros favoritos eram: "1001 Fatos Interessantes", "A Cabana" e qualquer um sobre navios e porta-aviões.
Ele era dono de alguns cachorros, amava um churrasco e uma gostava de boa cerveja para ser tomada com os filhos nos encontros familiares; de vez em quando, apreciava um vinho. No tempo do frio ele era doido por sopas e caldos quentes. Todas as vezes que Juliana ou Maria das Dores faziam sopa, ele sentia o aroma e logo exclamava: "Que delícia"!
A filha recorda com saudade: “Nós sempre nos lembramos dele ao comermos sopas ou caldos, pois, devido aos inúmeros problemas de saúde, abria um sorriso gigante ao saborear uma sopa em sua casa ou no hospital. Dizia que sopas curavam gente”.
Gostava muito de ir à feira. Cultivava o hábito de acordar cedo e dizia que era para adiantar o café. Não ouvia bem, mas não gostava de usar aparelhos de audição, porque dizia que eram feios. Com isso, não podia ouvir os filhos nas ligações telefônicas. Quando os filhos ligavam e ele atendia, dizia qualquer coisa e logo gritava: "Vou chamar a sua mãe" ou então falava o que queria e depois dizia: “Fala com a mãe, filha! “
João enfrentou o câncer várias vezes durante a vida, mas dizia ter o corpo fechado porque saía bem de todas as cirurgias. De tanto ouvir isso, Juliana acabou acreditando que o pai tinha mesmo uma proteção especial.
De suas muitas lembranças de infância, ela destaca uma gravada em sua memória afetiva: “Meu pai trabalhava em uma empresa do ramo de papel e celulose. Quando ele voltava para casa, trazia consigo uma sacolinha repleta de lanches que ganhava na fábrica. Deixava de comê-los para trazer os quitutes para a gente. Todos os dias eu aguardava ansiosamente sentada no portão de casa que ficava de frente para a rua. Quando o via apontando na esquina, saía correndo. Com um sorriso, ele me entregava a sacola e sempre dizia: "Trouxe para você, filha"! A delicadeza do seu gesto, me trazia muita alegria, fazia com que eu me sentisse amada”.
E ainda conta: “Quando estávamos na companhia um do outro, ele lixava meus pés e passava creme; víamos preços de sapatos e ele contava histórias que já tinha vivido ou presenciado. Eu sinto falta da calmaria e do jeito simples que meu pai tinha; sinto falta de chamar no portão e ele responder: “Já vai filha amada e idolatrada... “
Para finalizar, Juliana fala sobre o que aprendeu com o pai: “Com o seu exemplo, nos ensinou a sermos honestos, pacientes e priorizarmos a família. A sua história é motivo de muito orgulho, pois criou-se sozinho e, mesmo assim, manteve uma conduta exemplar: foi um aluno aplicado e um trabalhador incansável. Durante toda a vida ele me dizia para ter calma e ser mais ouvinte. Todos sentimos muito a falta dele e sempre nos recordamos das histórias que ele nos contava. Ele era incrível!”
João nasceu em Campo Grande (MS) e faleceu em São Paulo (SP), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de João, Juliana Barbosa Alves Teles Pereira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 5 de setembro de 2022.