Sobre o Inumeráveis

João José da Fonseca

1953 - 2020

Trabalhador, honesto e um imensurável coração valente e bondoso.

O que é a poesia? É a expressão amorosa que brota do peito daqueles que sentem tanto, tanto... que precisam contar ao mundo daquilo que lhes batuca no peito. Muitas vezes é dor; outras vezes, amor; outras, saudades; outras, vontade de protestar, de comemorar, de se rebelar, de agradecer e de se lamentar.

Quem escreve poesia? Aqueles que não guardam em si o egoísmo de fechar no âmago as palavras, os sentimentos, as declarações. Aqueles que têm a bondade de partilhar com os outros, próximos ou distantes, o que lhes vai na alma, no peito; o que lhes tira o sono, a fome, o jeito, o fôlego.

Assim fez Walter. Sentou-se talvez a um canto, não sei se sozinho ou segurando a mão de alguém. Talvez trouxesse os olhos úmidos, o coração apertado, o sorriso apagado. Walter não engoliu o choro! Walter transformou o choro em poesia:

"Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Trabalhador, honesto e um imensurável coração valente e bondoso.
Vá em paz, Barroso."

De seu genro Walter Filho.

João nasceu em Formiga (MG) e faleceu em Paraíso do Tocantins (TO), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo genro de João, Walter Gonçalves Ferreira Filho. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 8 de dezembro de 2020.