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Joaquim Manoel Gomes

1958 - 2020

Acordava às 4h da manhã para cuidar das plantações e gostava de descansar à sombra do pé de manga.

Joaquim amava o trabalho na roça. A filha Marcella conta que a rotina do pai se repetia de domingo a domingo, sempre tomando conta do plantio da banana, da macaxeira e da batata.

Sua felicidade estava nas coisas simples da vida como cultivar a terra, preparar a carne de bode, cozinhar o peixe e o feijão verde com farinha, estar na companhia da família, aproveitar seu lugar preferido, debaixo da mangueira, onde conversava com todos que por ali passassem, cativando assim especialmente as crianças. “Era o querido lá da vila. O apelido dele era Piau. Todo mundo tinha o maior respeito por ele, que por sua vez brincava com todos”, diz a filha.

Tinha um estilo leve. “Gostava de andar sem camisa, bater na barriga e dizer que estava bem alimentado. Às vezes deixava o cabelo e a barba crescer, depois cortava e dizia que estava bonito de novo”, relembra Marcella. Seu jeito humilde de viver a vida era marcante, assim como o valor dado à educação.

Foi assim com a esposa Marcileide, que, incentivada por Joaquim, estudou e se tornou professora de Matemática. Da mesma forma, buscava as condições para que os filhos estudassem, mesmo que para isso fosse necessário mantê-los distantes. Essa questão marcou a vida da filha Marcella, que saiu de casa ainda pequena para morar com a tia Dô em São Paulo e que, ao retornar para perto da família, viu que o pai não se continha de tanto orgulho das conquistas que sua princesa alcançou por meio do estudo.

Além de Marcella, Joaquim também foi pai de Malva, Katiane, Késio, Alexandre e Brício. A paixão pela natureza era tão grande que, se dependesse dele, todos os filhos teriam nomes de plantas, revela Marcella. “Só eu, que me chamo Marcella Régia, e Malva é que temos nomes de plantas, mas se fosse por meu pai, era Cidreira, Alecrim”, conta a filha sorrindo.

O painho Joaquim fazia de tudo para ver a criançada feliz. Construía brinquedos de madeira, fazia os hidrantes de bica para tomarem banho, tudo para garantir a diversão. “A casa era cheia de crianças”, lembra a filha. Ela se recorda com carinho que, quando ia de São Paulo para passear na casa dos pais, ele escondia todos os gatos, pois ela tinha medo deles na época, e já trazia a água de coco de que ela tanto gostava.

O amor pela família se estendia para os animais. Marcella conta que o pai cuidava de quase cinquenta gatos! Essa paixão ela aprendeu com ele, mas somente quando se tornou adulta.

Acolhedor, em sua casa sempre tinha espaço para mais um. Era só colocar mais um colchão no salão. Segundo Marcella, enquanto a mãe ajeitava a casa e arrumava as camas dos quartos, e o pai com toda sua simplicidade ignorava tudo e preferia dormir no colchão, no maior cômodo da casa, chamado de salão. E todos o acompanhavam, especialmente a amada Marcileide.

Apesar das diferenças que tinham, Joaquim foi o amor da vida de Marcileide, afirma a filha. “Minha mãe tinha a maior paciência do mundo com ele, ninguém sabia explicar.” A reciprocidade de tamanha dedicação ficava evidente quando ele a pegava no colo e dizia carinhosamente "minha veinha", lembra a filha. Marcileide permaneceu ao lado de Joaquim em todos os momentos, tanto na lida da roça como quando foi acometido pela Covid.

Após a labuta do trabalho, Joaquim não se furtava dos prazeres de ouvir o cantor romântico Bartô Galeno, tomar a sua cervejinha, jogar baralho e de soltar uma risada cativante ao assistir ao programa do Chaves. Aconselhava os filhos dizendo que o melhor da vida era não se preocupar com o amanhã para viver o hoje.

E ele viveu. Entre suas realizações está o sonho de ter um carro, e que virou história para contar. Marcella lembra que o pessoal da vila brincava com Joaquim indagando: “Ô, Piau, e esse carro aí?”. E ele, que não deixava passar nada, já respondia dizendo: “É meu, por quê? Não posso ter não?”. Cabeça dura e teimoso, às vezes chegava a ser áspero, mas com os filhos o amor o transformava e, nessa relação, não havia barreiras e nem preconceitos. A cabeça dura de Joaquim abria-se e surpreendia a todos quando o assunto era a homossexualidade dos filhos.

As coisas eram diferentes quando precisava cuidar da saúde. Não gostava muito de ir à cidade para as consultas médicas e resistiu o máximo que pôde quando adoeceu. Marcella narra emocionada: “Antes de sair para ser internado, pediu um pedaço de carne: ‘Me dê uma carne de bode para eu mastigar’, como se quisesse ser acompanhando pelo gostinho do seu canto".

Marcella expressou o legado do pai numa carta de despedida. "Sua risada ficará para sempre na lembrança e aquele abraço de chegada e partida bem apertado (...). Tentarei seguir seu conselho, fazer o que quiser, viver bem, comer bem, me sentir bem, fazer o bem para o próximo, sem esperar absolutamente nada em troca."

"Suas irmãs são as maiores bênçãos de toda minha vida. Elas foram minhas mães e pais, hoje são minhas vovós, me criaram com todo amor do mundo, nada no mundo vai se igualar o que fizeram por mim, isso é o que me motiva. Olhe dai de cima por nós, com aquelas gaitadas exageradas que estamos morrendo de saudades. Prometo que sempre vou tentar fazer o melhor que puder por você, onde estiver. Te amo de todo coração e toda alma!”

Joaquim nasceu em Itacuruba (PE) e faleceu em Petrolina (PE), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Joaquim, Marcella Régia Gomes Santos. Este tributo foi apurado por Rosimeire Seixas, editado por Rosimeire Seixas, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 1 de outubro de 2021.