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José Anchieta Ferreira de Lima

1951 - 2021

Prestava atenção em tudo à sua volta, em silêncio, observando e, de repente, no meio da conversa de alguém, soltava uma piada.

Tio Anchieta, como era chamado carinhosamente pelos alunos do transporte escolar, era um homem sério e reservado à primeira vista, mas todo mundo que o conhecia guardava uma memória afetiva dele - seja pela generosidade, humor peculiar, honestidade e até teimosia. Era muito metódico e "tudo tinha que ser exatamente do jeito dele... era a teimosia em forma de gente", conta Michele, sua filha.

Trabalhou a vida toda como transportador escolar. Quase não tinha horário para o lazer. Durante mais de vinte anos ele foi o Tio Anchieta de várias gerações, chegando a transportar os filhos das crianças que antes andaram em sua van, quando ele havia começado a trabalhar.

Tinha suas manias, um humor irônico e alguns rituais, por exemplo: fechava a janela e guardava o carro sempre no mesmo horário. Não gostava quando algo saia de sua rotina e nem de nada fora do lugar. Dono de muitas frases que repetiu ao longo de sua vida, tinha bordões como: “o mundo ensina”, “tô no fim da picada”, e por aí vai...

Demonstrava por meio de ações o quanto era carinhoso e amoroso. Criou com muito cuidado e responsabilidade as filhas Michele e Milena, e nutriu grande paixão pelos netos: Thaina, Yasmim e Murilo.

Nunca deu nada de mão beijada para as filhas. Sempre esteve presente e fez com que as elas compreendessem que precisavam ir em busca de seus objetivos. Por exemplo, se uma delas queria comprar um carro, ele ajudava emprestando o dinheiro, mas o combinado era que o valor fosse restituído nem que fosse em várias prestações. Era assim que ele fazia para ensiná-las, que para se conseguir o que almeja na vida tem que correr atrás e batalhar. "Sabíamos que quando precisássemos dele, ele estaria lá, sempre parceiro, pronto a nos ajudar", relembra sua filha Milene.

Duas características que marcaram o Tio Anchieta foram a honestidade e a justeza. Tudo tinha que ser de forma muito honesta e dentro da lei. "Meu pai era muito certinho com tudo", conta Michele.

Tinha o hábito de brincar com seu netinho caçula, o Murilo, de cinco anos. Disputavam o controle remoto da TV para decidirem qual programação iriam assistir. Tornaram-se incríveis companheiros durante a pandemia, passando bastante tempo na pracinha, em frente a sua casa. O avô acompanhava cada passo do neto, dedicando muito carinho a ele.

Com as netas, seu momento preferido era assistir aos campeonatos de vôlei que elas participavam. Onde quer que elas fossem jogar, lá estava ele acompanhando e torcendo. Era uma alegria para ele prestigiar cada evento com sua família.

Uma coisa muito importante na vida do Tio Anchieta foi seu casamento, de quarenta e seis anos. Deixou muito orgulho para as filhas, como exemplo de esposo dedicado. O amor estava acima de tudo. Era um casal que vivia um para o outro, envelheceram juntos, numa união amorosa e genuína.

O grande legado que ele deixou foi a união da família, o que tem ajudado a todos desde a sua partida. Ele é parte importante nessa construção de união. Gostava de assistir TV, ficar no sofá com as pernas para cima. Assistia o mesmo filme repetidamente, umas dez vezes. "Tinha uma predileção por suspense, comédia não era com ele..." conta sua filha Milena. Não curtia muito futebol, mas amava carros, dedicava horas a procurar por peças e acessórios.

Ao contrário de Milene e Michele, José Anchieta não era muito de festas. Durante as comemorações em sua casa, era muito engraçado, porque ainda quando as pessoas estavam se divertindo ele começava a juntar as cadeiras e a fechar as mesas. Mesmo que as filhas falassem: "pai, ainda não acabou...", ele já ia adiantando a arrumação para ver se abreviava o término.

"Depois de sua partida, fizemos - minha irmã e eu - tatuagens em sua homenagem - no meu braço, a imagem de uma van escolar, para demonstrar quantas vidas ele transportou durante os longos vinte anos de trabalho; já no braço de minha irmã, sua assinatura, para registrar o quanto ele era honesto e justo em tudo que tratava", contam e se emocionam suas filhas, Michele e Milena.

Tio Anchieta será lembrado pela união da linda família que construiu e pela admiração das filhas, genro e netos.

José nasceu em Parapuã (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas filhas de José, Michele Patriota de Lima e Milena Patriota de Lima Andrade. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Sonia Ferreira, revisado por Ana Helena Alves Franco e moderado por Rayane Urani em 20 de junho de 2021.