1950 - 2020
Ligado às raízes, viveu para a família e para o trabalho. Bom ouvinte e amigo, tinha sempre alguma história para contar.
José Carlos, casado com Mara, tinha um casal de filhos, três netas e uma bisneta a caminho. Apesar de ansioso por esse novo presente, foi impedido de conhecer, por um destino ou acaso desses de deixar todos desconcertados.
Morando em Curitiba e mesmo já aposentado, vivia para o trabalho e para a família. Tocava então sua vida passando a semana em São Paulo e, os finais de semana, curtindo a família em casa.
"Esse era meu primo, a quem chamava carinhosamente de Zeca. Amava a família, tinha um sorriso largo e uma bondade incrível. Sabe aquele paizão de verdade? Era o Zeca!", descreve Mozart, já saudoso.
Carinhoso e bom ouvinte, Mozart lembra de Zeca, que participou muito de sua infância por ser um de seus primos mais velhos. Tinham uma afinidade: torcer pelo mesmo time, o Paraná Clube; mas nunca conseguiram assistir a um jogo sequer do clube no estádio.
Ainda não parece verdade. A saudade e a recusa em crer fazem Mozart continuar pensando em José Carlos no presente. "Liguei pra ele um dia, era seu aniversário, e ele me disse que em breve pararia de trabalhar e iria me visitar em São Mateus do Sul. Não consegui me despedir. Uma partida sem velório nem reza... Que Deus o tenha! Sentirei sua falta, primo!"
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O filho de Seu Ulisses e Dona Terezinha, passou por dificuldades na infância, mas nunca teve medo de trabalho e construiu sua vida com esforço e honestidade.
Casou com Mara, ambos jovens, mas certos do passo que estavam dando. Eles se conheceram na festa de 15 anos de uma prima de Mara. "Foi bater os olhos e pensar: é o pai dos meus filhos! E assim foi", conta a esposa.
Zeca fez questão de escolher todas as músicas que foram cantadas ao vivo na cerimônia de casamento, realizada na Igreja Coração de Maria. Os amigos diziam sempre que foi um dos eventos mais bonitos que haviam participado. "Realmente... quando me lembro da música da saída, que dizia 'Me dê a mão, vamos sair e procurar nosso lugar para ser feliz...', tenho a certeza de que encontramos e caminhamos nele por quarenta e seis anos de uma união feliz", relembra Mara.
A família cresceu com o casal de filhos Alexsandro Marcelo e Elizandra Cristina. As netas Marina, Nathália e Nicole (que partiu cedo demais) completaram a felicidade desse homem, que já era um pai exemplar e, como avô, se superou, sendo amoroso e muito coruja.
Ah! Suas meninas... Marina, a mais velha, foi quase que criada pelos avós, de tão grudada. No fim de semana, já pegava sua mochilinha e partia para a casa deles. O avô a levava aos restaurantes, passeios e adorava apresentar a neta, todo orgulhoso. Sua morena de olhos verdes! Nathália, sua polaca de olhos azuis... Adorava deitar na barriga do avô, quando ele sentava numa sombrinha, na grama, em dias de calor. E apelava: "Vovô, por que você tem que ir pra São Paulo?", "Por que não fica aqui?" José Carlos trabalhava em sua transportadora e passava a semana longe.
Mara conta que é muito fácil falar de Zé. "Ele foi o homem que escolhi, o amor da minha vida, meu chão, meu amigo, meu companheiro, nem tenho como descrever... era tudo pra mim. Um cara bonachão, sempre com palavras carinhosas. Quando eu estava nervosa, ele tinha um jeito de me acalmar, era tranquilo. Quem não tinha tanta paciência era eu, e ele costumava dizer que, quando ele partisse, eu sentiria falta. E tinha razão. Mas sei que onde estiver há de ser um bom lugar e está olhando por nós, até o dia que nos encontraremos."
Até a sogra, de 92 anos, era apaixonada por esse genro. Todo sábado à noite, Zé e Mara estavam em sua casa, porque ele e o cunhado Sérgio adoravam jogar cacheta e beber juntos; eram muito companheiros. Inclusive foi com Sérgio que o casal viajou certa vez e trouxe na bagagem uma história ótima. O trio foi conhecer a Ilha do Mel e como a balsa ia demorar, tiveram que pegar uma barca voadora e Zé ficou com muito medo. Mas, apesar do cunhado tranquilizá-lo, que estava de colete salva-vidas, ele repetia, no dia ou quando se contava a história, o que era motivo de gargalhadas: "Se esse negócio virar, quem você salva primeiro? Eu ou sua irmã? Vou morrer, claro!" Choveu, foi uma confusão essa viagem, mas Mara garante que se divertiram muito.
Zé viveu para o lar e para o trabalho. Era muito família e adorava suas raízes, a irmã Marliza e o único sobrinho, Ricardo, bem como os primos. Sempre aparecia alguma história pra contar. Caseiro, tinha imenso prazer em desfrutar das reuniões nos finais de semana, com o almoço que a esposa fazia para ele e os filhos, principalmente quando tinha a "maionese da Mara", que ele amava. Seu prato preferido era básico: arroz, feijão, bife à milanesa, banana encapotada e uma saladinha. Ela recorda como eram gostosos esses momentos. "Eu me encarregava da comida e ele era meu provador oficial, enquanto fazia nossas caipirinhas e drinks. E ficava feliz demais com a presença de todos seus rebentos: Alexsandro Marcelo e a nora Kauana, Elizandra Cristina e o genro Cláudio Adão e as netas Marina com o marido Pedro e Nathália. Se Alex atrasava, Zé já ligava: 'Você vem pro almoço ou pro jantar?', sempre brincando com o filho."
Esse avozinho era puro amor. Tinha umas frases que viraram bordões, de tanto que ele repetia para as netas. Cada vez que passavam no Exército do Boqueirão, dizia: "sabe que o vovô serviu o exército aqui?" Ou então quando passavam pela porta do Colégio do Bom Jesus: "sabia que o vovô estudou nele?". Estava mesmo era muito ansioso pra conhecer sua bisneta, prestes a nascer e, quem sabe, logo logo mostrar a ela sua história, repetindo os bordões. A filha de Marina e Pedro, Ana Clara, nasceu quinze dias após a partida do bisavô. A família acredita que ele a conhece, apenas não está mais tão pertinho.
Mara conta que o casal comemorou, em 2019, suas Bodas de Rubi ─ 45 anos de casamento, com uma viagem a Natal (RN). Em 2020, iriam à Bahia e desistiram em razão da pandemia. A princípio pensaram em adiar para o fim do ano, mas ele achou que ainda não seria possível e a esposa propôs então deixarem para 2021. Zé sugeriu que Mara fosse com a filha, pois achava que não iria. "Parecia estar adivinhando. Apesar de todo carinho e atenção dos filhos, está muito difícil viver sozinha, sem meu companheiro de toda vida. Meu amor, amor ou Zezão, como também o chamava, era meu ar."
Mas também tinha lá suas manias, que irritavam a esposa, como sempre no dia dos pagamentos destacar a folhinha do carnê antes de pagar. As outras eram até bastante agradáveis: gostava de estar sempre perfumado e nunca deixava de fazer a barba. Dizia que se não se barbeasse, parecia mais velho. Talvez suas únicas vaidades, pois na vestimenta era básico; aliás, nem sequer escolhia a própria roupa. Era Mara que separava e, em geral, ele derrubava algo na barriga acidentalmente.
Mara descreve mais sobre seu amado, a quem conhece cada detalhe. Não tinha animais, mas adorava o "terrorista" Gru ─ cachorro da neta Marina. Músicas... adorava as românticas dos anos 80. Sempre curtiu muito tudo ligado à casa, mas dizia que construiu para a família e, nos fins de semana, a esposa ficava com a limpeza da casa e ele tinha um prazer genuíno em lavar os carros e a calçada.
Quando adoeceu e foi para o hospital, Mara relata que ficou uma semana com ele, e acrescenta: "Quando ele teve medo, falei que estaríamos lhe esperando em casa. No dia seguinte, ainda conversei com meu amor na UTI, mas em seguida houve a intubação o contato cessou. Em seis dias ele partiu, para eu perder meu chão, mas tenho certeza que nos será permitido um reencontro um dia."
José nasceu em Curitiba (PR) e faleceu em Curitiba (PR), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo primo e pela esposa de José, Mozart Tosin e Mara Rosangela de Oliveira Mendes. Este tributo foi apurado por Thaíssa Parente, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Phydia de Athayde em 4 de janeiro de 2021.