Sobre o Inumeráveis

José Costa Sobrinho

1934 - 2020

Com o alimento expressava seu amor. Inclusive à terra: se visse qualquer pedacinho, já fazia ali um roçado.

Seu Zé Preá, como era conhecido, fazia um pouquinho de tudo. Em casa, junto da esposa Formosina, fabricava sorvete, picolé e dudu (o sorvete em saquinho também chamado, em outras praças, de gelinho, geladinho, dindim, sacolé). Enchia sua carriola e saía pela cidade fazendo a alegria da criançada – e a dele próprio, já que gostava tanto de caminhar, conhecer pessoas e conversar.

“Ele era bem brabo, mas apesar disso muito engraçado e adorava fazer piada com todo mundo”. O apelido, como conta a neta Karollynny, provavelmente veio como uma brincadeira do "pessoal da rua”, que comparava a prole numerosa de Seu José e Dona Formosina – tiveram 11 filhos – ao resultado das tendências reprodutivas do roedor em questão.

Seu Zé Preá por vezes era Seu Zé da Pinha, pois também vendia a fruta em seus carrinhos. Karol divide a história que já se tornou, entre os familiares, uma das crônicas mais populares protagonizadas por Seu Zé: “Não faz muito tempo, já estava com seus 70 e poucos anos. Sem poder circular muito, colocava o carrinho de pinha em frente à sua casa. Aí o pessoal ia lá comprar. E teve um rapaz que chegou, apertou uma pinha, apertou e o vô ficou só olhando. Pegou outra e apertou até que a fruta ficou bem mole, a casca querendo se abrir. Aí ele perguntou quanto era. ‘Dois reais’. O rapaz então falou: ‘não vou levar, não’ e colocou a pinha de volta no carrinho, virou as costas e foi embora. Seu Zé arremessou a pinha na cabeça do rapaz e disse: ‘Ah, você não vai comprar, mas vai levar sim!’ Um outro apelido de José era Seu Lunga, personagem bastante presente na cultura nordestina, conhecido pelo humor ácido e por ter respostas sempre na ponta da língua.

“Ele também gostava muito de limpar terreno, plantar feijão, milho, essas coisas. Era apaixonado por isso. Muitas vezes até chegava a se perder. Via um pedacinho de terra em algum lugar, pegava um carro, um ônibus, ia até lá e depois não sabia voltar. Então saía perguntando às pessoas. Às vezes, o pessoal ligava e os filhos iam buscá-lo no meio das estradas por aí.”

“A gente vivia na casa dos meus avós, eles cuidaram muito de todos os netos: eu e minha irmã Fernanda, Michael, Vinícius, Felipe, Leonardo, Rayanne e Willianne. Nossa história está muito ligada à deles”, diz Karol. José adorava reunir a família. Fosse no Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais ou mesmo um domingo qualquer, ele pedia: “Ó, Dona Formosina, ligue aí para Fernando, Marcos, Marconi e Deílson, mande juntar todo mundo e vir.” José foi pai, avô e bisavô de muitos.

“E todos que chegavam à sua casa tinham que comer. Se não, era uma desfeita. ‘Mas vô, eu já jantei!’ ‘Não, mas você vai comer, nem que seja um pãozinho assado’ e pedia para minha avó assar um pão, esquentar o leite... ele sempre comprava leite de fazenda, tomávamos muito leite com sal na casa dele. Qualquer neto ou filho que chegasse lá tinha um leite quentinho e um pão assado. Outra lembrança boa — e tanto ele, quanto a minha avó tinham esse costume — no dia do nosso aniversário, pegavam 20 ou 50 reais, o que eles tivessem, enrolavam e colocavam em nossas mãos, escondido."

“Sentiremos falta dos almoços, onde ouvíamos as melhores histórias. Todo mundo sentado ao redor da mesa brincava, ria e comia. Saudades de um cheirinho na careca dele e quando o fazíamos, ele falava: ‘Sai daqui que eu tô catingoso!’ Mas tinha um cheirinho bem gostoso, porque toda vez ao tomar banho, a vó passava uma lavandazinha nele. Sentiremos falta de tudo, das histórias, do sorriso... Ele estava sempre rindo, nunca o vimos reclamar da vida. Um espaço gigante se abriu em nosso peito. Sem o meu avô, sem o meu pai, sem o meu tio a saudade, já enorme, ficará cada vez maior.”

Fernanda Larissa, irmã de Karol, faz sua homenagem: “Meu avô foi um dos meus maiores amores. Ele era bondoso, corajoso e transmitiu valores muito bons. Se hoje eu sei o quanto é bom ter uma família unida, o valor do trabalho, do esforço e da gentileza, devo isso a eles, ao painho e ao vô. Sou muito grata pelo presente que foi existir com eles, tivemos muita sorte!”

Karol também acredita que a maior virtude de seu avô foi ter ensinado para todos os filhos o valor da honestidade e da solidariedade, que justamente por esses valores que José gostaria de ser lembrado. Sempre foram simples, com pouca condição, mas todos os filhos dele tiveram uma profissão, se orgulhava disso. Um tio fotógrafo, do pai dela que conseguiu fazer faculdade, dos netos dele, praticamente todos também na faculdade.

A sua maior virtude era o coração gigante, que gostava de ajudar todo mundo. Dividia tudo de forma igualitária e se alguém estivesse vendendo alguma coisa, ele comprava; se alguém pedia no sinal, ele dava; se tivesse alguém com fome, ele arrumava comida. Tinha um imenso amor pela Família Costa. Sempre lembraremos de seu exemplo.

Para conhecer a homenagem aos filhos de José Costa Sobrinho, procure por Edson Fernandes Costa da Silva e Marconi Costa da Silva neste Memorial.

José nasceu em Caruaru (PE) e faleceu em Caruaru (PE), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de José, Karollynny Michelly costa da Silva. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Tatiana Natsu, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 1 de outubro de 2021.