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José dos Passos Souza

1937 - 2020

Andava quase um quilômetro só para assistir às novelas na casa do vizinho e era doido por um caramelo.

Era na paz da fazenda, entre os sons de grilos e o canto dos pássaros, que Seu Zé do Passos se sentia em paz — e ele fazia questão de ser chamado pelo nome e sobrenome, porque dizia que "Zé" tinha muitos; mas, Zé dos Passos era só ele.

A vida era boa quando tinha pescaria e jogo de futebol. Para ele, felicidade era todo momento vivido, a alegria morava nas pequenas coisas dos dias tranquilos no tempo diferente que tem a vida longe das loucuras da cidade.

Seu Zé dos Passos não dispensava uma boa novela, da Rede Globo. Era mesmo um noveleiro assumido, fã incondicional das tramas e reviravoltas desenroladas na telinha. Andava todos os dias quase um quilômetro só para poder ver televisão na casa do vizinho mais próximo, o único que possuía uma TV!

Gostava de contar suas histórias, lembranças dos tempos de menino, numa época muito diferente de tudo que a gente vive hoje. Era grato por tudo que possuía, não tinha grandes ambições. Conservava no peito o mesmo coração puro do menino que fora um dia; por isso mesmo tinha sempre uma palavra boa para dizer e, quando alguém perguntava se estava tudo bem, ele respondia "Estou bem para a glória de Deus!"

Além das novelas, da pesca, da prosa e do futebol, seu Zé do Passos gostava mesmo era de um "caramelo" — balas que ele ia buscar na cozinha com frequência, para "adoçar a boca —, e se não houvesse nenhum caramelo, para remediar o desejo do doce, catava uma pedrinha de açúcar mesmo, do açucareiro, e se deliciava.

A neta Stefany lembra-se do avô como um homem calmo e tranquilo, de sorriso nos lábios, que se alegrava em saber que sua esposa estava bem. O tio Bilenio era o xodó do seu Zé dos Passos, para quem, de vez em quando, ele dava umas "nicas" — um dinheirinho, um trocado.

Amava todos os 12 filhos, mais dois netos que criou como se filhos fossem. Então, Stefany conta 14 filhos sob as asas afetuosas do avô. Foi um pai exemplar, não deixando faltar nem o sustento do corpo e nem o alimento para a alma, que é o amor.

Deixou saudades, seu Zé dos Passos! Aqui, sua família que tanto lhe ama há de guardar para sempre na lembrança seus ensinamentos de homem simples, para quem a felicidade era tão somente ter aqueles que se ama por perto e a proteção de Deus.

José nasceu em Jequié (BA) e faleceu em Ubatuba (SP), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de José, Stefany Souza. Este texto foi apurado e escrito por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 30 de outubro de 2020.