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José Marcatto da Silva

1935 - 2020

Ele levava a vida com otimismo e fé. Era alegre, gostava de cozinhar, cultivar plantas e passar cafezinhos.

Apesar da idade, Zezé, como a família o chamava, exibia a desenvoltura de um garoto.

Aos 84 anos, subia escadas com agilidade e possuía muita energia para cuidar das plantas no quintal. Cozinhar e servir cafezinhos, quando aparecia visita, também estão na lista dos seus pequenos prazeres.

Zezé trabalhou em cozinha de hotel, antes se aposentar como tecelão na cidade de Petrópolis, onde fixou residência. Antes disso, porém, lavrava terras nas Minas Gerais, seu estado de origem.

Dono de um fusca azul, o qual ainda dirigia, foi sempre muito comunicativo e, segundo a filha Márcia, amava viver. Dessa forma, observando seu otimismo, ela aprendeu a seguir na vida, com destaque para a resiliência que o pai idoso ensinou a ela mais tarde.

Entre as lembranças que ela guarda estão as histórias da roça e das caças de tatu no mato, contadas por ele. Sem falar nos inúmeros cafés que coou para a filha, sempre que ela chegava na sua casa.

De criança, Márcia se recorda do pai penteando seu cabelo e ajeitando a blusa verde para tirar a foto 3x4. Zezé fazendo curativo no seu dedão do pé é outra cena viva, incluindo as inúmeras demonstrações de plantio.

"Eu o abraçava, beijava-o no rosto e dizia: 'Pai, eu te amo'. E ia pra casa pensando que eu devia fazer isso mais vezes”, rememora ela, e completa: “Hoje, acredito que eu poderia tê-lo abraçado muito mais. Seus olhos não saem do meu pensamento".

Além de Márcia, o casal José e Dalva teve Maria Goreti e Margarete. Uma linhagem só de mulheres que perpetuou para a geração seguinte com o nascimento das cinco netas.

Em 2019, o avô coruja dançou a valsa nos 15 anos de uma delas e ficou muito feliz. "Era um avô maravilhoso! Amava as netas, preocupava-se com elas", diz a primogênita, Maria Goreti, que o descreve como um homem alegre, cuidadoso com a família e prestativo com as sobrinhas, amigos ─ que eram muitos ─ e com os vizinhos.

“Ele cuidou da nossa mãe até seu último dia em casa”, ela comenta. A união dos dois já havia alcançado as bodas de ouro.

Conforme suas recordações, o aposentado possuía o hábito de rezar todas as manhãs diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus ou, às vezes, na frente da Santa Ceia, pedindo a Deus proteção por todos da família e por seus amigos.

Das memórias de infância, a primogênita realça a felicidade sentida ao receber um velotrol verde de presente do pai; e as muitas vezes que ele pegou as irmãs menores no colo para passar na rua lamacenta, poupando suas meninas de sujarem os tênis a caminho do colégio. A tarefa de conduzi-las até lá era dele, antes de ir trabalhar.

Já a imagem recente revela o aposentado entrando na ambulância sem ajuda dos enfermeiros, pois ainda estava bem ativo. Ele olhou para as filhas e o genro, e agradeceu: "Obrigado". Ali, Maria Goretti previu a despedida.

Mas teve um último contato por videochamada, quando ele pediu à filha para cuidar dos seus sapatos e tudo o mais, e novamente agradeceu a todos. “Eu pude dizer que o amava”, ela conta.

Zezé, no entanto, na esperança de voltar para casa, uma vez que não gostava de ficar sozinho, dizia às enfermeiras que comemoraria logo mais seus 85 anos.

Para a primogênita, ele merece ser lembrado como um pai e avô zeloso e amoroso, um homem trabalhador, amigo de todos e de muita fé em Deus.

Ela acredita que o tecelão aposentado combateu o bom combate, terminou a sua carreira e guardou a fé.

“Assim era meu pai, um guerreiro, filho amado de Deus!”, finaliza a filha.

José nasceu em Leopoldina (MG) e faleceu em Petrópolis (RJ), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas filhas de José, Márcia Marcatto Fernandes e Maria Goreti Gonçalves Marcatto . Este tributo foi apurado por Viviane França, editado por Mariana Quartucci, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de dezembro de 2020.