1948 - 2020
Enfrentou o medo da mula sem cabeça para buscar água pra família, num rio distante, sempre a noite.
José foi um homem muito trabalhador. Seu pai tinha um bar que vendia carne, como uma pequena churrascaria, com o nome de "Bar da Carne Assada". Como José trabalhava nesse bar desde bem novo, os clientes e amigos se inspiraram e passaram a chamá-lo de Zé Carne Assada.
Tinha fama de ser muito paquerador. Se casou ainda jovem, com 18 anos, com Maria da Paz. Foi pai de 12 filhos e avô de 24 netos, uma grande família, todos muito queridos e amparados por ele.
José foi diagnosticado com câncer e teve que se mudar para a São Paulo, em busca de tratamento. Cerca de seis meses antes de sua partida, recebeu a feliz notícia que seu câncer havia se estabilizado. Toda a família ficou feliz com isso, e para comemorar ele viajou para a cidade natal, onde reformou sua casinha. Era um grande sonho que tinha para realizar!
Sempre foi bom pai, bom filho e bom marido. Era tímido e muito trabalhador, de origem humilde. Nunca deixou faltar nada para os filhos, era grato e feliz por tudo o que tinha. Aos 45 anos trabalhava como motorista de ônibus e em uma das excursões que guiava sofreu um acidente. Essa ocasião o levou a perder a perna esquerda.
Amava cuidar do carro dele. A família sempre brincava com isso e dizia que "ele amava mais o carro do que a família", mas é claro que isso não era verdade, não passada de um zelo e muito carinho que ele tinha com o carro. Todos os dias cobria o automóvel com uma capa para protegê-lo de poeira, sol, chuva e sereno.
Nos finais de semana, ele tirava o carro da garagem, colocava na porta de casa, se vestia com um relógio dourado, óculos e ligava o som, amava um forró. Ainda que só com uma perna, ele dançava, com os braços pra cima. "Não tinha tempo ruim e dificuldades pra ele não", conta sua filha Ana Paula.
Gostava de contar várias histórias para os filhos e netos. Uma delas dizia que quando ainda era criança, não havia água encanada em casa naquela época e tinha que andar longe para buscar água nos baldes. Como ele era o filho mais velho, essa tarefa sobrava sempre pra ele. E lá ia José com seu jumentinho, buscar água em um rio distante, sempre à noite, no escuro. Passava por uma estrada de terra, e todos diziam que lá havia uma mula sem cabeça. Ele tinha muito medo durante o percurso todo. "Era uma choradeira só", comenta Ana Paula. Sabendo disso, certa vez seus amigos e irmãos se juntaram para passar um medo nele: colocaram um tecido, cada um deles, cobrindo suas cabeças, e ficaram escondidos. Quanto José passou por eles e viu todos daquele jeito, foi um grande susto. Ele caiu no chão e o jumentinho fugiu! Foi daí que ele acabou descobrindo que não existia a tal mula sem cabeça. Ele repetia sempre essa história e todos riam demais, como se fosse a primeira vez.
"Nosso pai faz muito falta. Deixou só lembranças boas. Com ele não existia tristezas. Era a alegria de nossas vidas", se emociona Ana.
José nasceu em Natal (RN) e faleceu em São Paulo (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de José, Ana Paula Fernandes campos. Este tributo foi apurado por Sonia Ferreira, editado por Sonia Ferreira, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 23 de junho de 2021.