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José Rodrigues de Pina

1948 - 2020

Mais de vinte anos após se aposentar, ainda recebia ligações dos amigos de trabalho.

O seu Zé, tio Zé ou Pina, como ele era chamado, morava em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. No entanto, nunca deixou a mineiridade para trás. Quase todos os dias, tomava uma dose de cachaça mineira com limão, só para abrir o apetite!

Ninguém fazia uma broa de fubá igual a dele. O sabor da quitanda tornava-o ainda mais especial, até para aqueles que nunca o viram. Uma colega do trabalho de uma das filhas, a Elisabeth, disse que agora, toda vez que comer uma broa, vai se lembrar do seu Zé; mesmo sem tê-lo conhecido pessoalmente, pois ela nunca provou uma broa tão gostosa quanto a dele.

Ele foi para o Rio tentar a sorte juntamente com a família. No início, foi muito duro, mas depois conseguiu um emprego na Petrobras. Elisabeth fez um estágio na empresa e, nessa época, o pessoal costumava chamá-la de Pininha — o que a enchia de orgulho, já que ele era o Pina.

Zé trabalhou na companhia por vinte anos, até se aposentar. Comprometido com o trabalho, era muito dedicado e fez muitos amigos na empresa. Os laços de amizade foram tão fortes que, mesmo tendo se aposentando em 1999, recebeu ligações dos amigos de Petrobras até partir.

Quando Ramos, o melhor amigo, ligava, todo mundo sabia: podiam esquecer do Zé. Ele se fechava no quarto para falar da vida e contar histórias para o Ramos.

O José não era muito de fazer graça. No entanto, todos que se aproximavam dele corriam o risco de receber um ataque de cócegas. Se fosse criança então... aí é que não escapava mesmo.

Atendia ao telefone com um "alô" peculiar. Ao mesmo tempo que era forte, a voz grossa era carregada de um cansaço, mas era apenas neste momento inicial.

José Pina não conseguia deixar nada para depois, tudo era "pra ontem". Sempre foi britânico com horário. Ele, as filhas e a esposa eram os primeiros a chegar em 99% das festas e compromissos.

Paradoxalmente, seu Zé tinha uma calma rara. A pressa de fazer as coisas acontecerem não lhe tirava a tranquilidade com os outros e com si próprio. Elisabeth conta que nem sabe qual a última vez que o pai brigou com ela.

Ele e a esposa faziam juntos absolutamente tudo! O casal não era daquele tipo meloso, mas, quem via um, sempre ao lado do outro, sabia: existia muito amor ali.

Também gostava de agradar todos, mesmo que isso significasse contrariar a própria vontade ou experimentar prejuízos financeiros — o que acontecia com alguma frequência. Sua disposição em ajudar os outros era maior que ele mesmo. Era econômico com ele, mas mão-aberta com as filhas.

Os sonhos das filhas Renata e Elisabeth eram os sonhos dele, ele se realizava junto com elas.

Investiu toda sua aposentadoria na compra de um imóvel próprio. Era muito feliz por ter algo no nome dele e da esposa, mas a maior realização desse mineiro foi ver como sua família é unida.

E seu Zé pode continuar tranquilo aí, sua esposa e filhas continuam juntinhas, pro que der e vier.

Muitas vezes, elas sentam-se para recordar e agradecer o grande homem que você foi, José Rodrigues de Pina. Ou melhor, é, pois sua luz continuará a guiá-las.

José nasceu em Palma (MG) e faleceu em Duque de Caxias (RJ), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de José, Elisabeth de Oliveira Pina. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de outubro de 2020.