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José Vanderlei Bonanho

1952 - 2020

Sonhava em ser Papai Noel. As crianças iam ao mercado apenas para ver a alegria que José era.

Era completamente apaixonado pela família. Não sabia dizer não aos netos e, tudo o que lhe pediam, ele dava. José não podia ouvir alguém falando que queria comer algo, que já chegava com a sacolinha, cheia de amor e com o desejo de alguém.

Era o socorro das filhas quando o ônibus não chegava, quando tinham consulta médica ou qualquer outro compromisso. Levava e buscava onde quer que fosse, e amava cuidar dos filhos assim.

Tão disposto, tão presente.

Seu maior prazer era comer (e comer bem). A fruteira estava sempre lotada de frutas. O armário e a geladeira fartos de comida.

Mesmo que estivesse cansado devido ao trabalho, nunca faltava às festas. Participava de tudo. Ajudou a filha Cristiane a organizar, em apenas um mês, a festa de 15 anos da neta. No dia da comemoração, só conseguiu parar de trabalhar às onze da noite. Mas a família sempre o esperava para cortar o bolo.

Sensível como era, chorava de emoção até soluçar, até mesmo com comerciais de TV.

Brigava sempre pelo excesso da filha, que gostava de tudo organizado e limpo. Nessas horas ele dizia: "relaxa" ou "deixa eu". Quando a filha perguntava sobre os remédios, ele sempre dizia já ter tomado e, escondidinho, ia até a gaveta, para então pegar os remédios.

Aos 50 anos, conseguiu a sua tão sonhada Carteira de Habilitação. E foi uma alegria só!

Muito trabalhador, fez de tudo nessa vida. Nos últimos catorze anos, seu foco eram as entregas de compras de um mercado. O mesmo mercado no qual ele olhava carros e de onde trazia para casa, todos os dias, a "caixinha" que os donos dos automóveis davam a ele.

Com muito esforço, conseguiu financiar seu primeiro carro e então passou a ser motorista. Amava o que fazia.

Sempre com um sorriso no rosto e a maior simpatia do mundo, entregava as compras do mercado. Trabalhava com uma equipe de motoristas, que foram confidentes dele e que, em seus últimos momentos, confortaram toda sua família.

Durante o isolamento social, José ficou em casa por algumas semanas, mas era muito ativo. Sua vontade de sair era grande. Quando voltou ao trabalho diário, chegou em casa todo contente, feliz por ser querido por tantas pessoas, que lhe disseram ter sentido sua falta nas entregas.

Digno e fiel aos seus princípios, era também muito educado e vaidoso. Imagine um velhinho perfumado - era ele. Com armários cheios de cremes, perfumes e sabonetes. Todos os dias, perfumava seu carro, lavava a borda branca de seu tênis e fazia a barba, para estar sempre com boa aparência e cheiroso para os seus clientes.

Muitas vezes seu sono era interrompido por pedidos de socorro. Atendia a todos, mesmo depois de um dia inteiro de trabalho. Socorreu idosos sozinhos, tendo que levá-los no colo até a sala do médico. Socorreu mulheres grávidas prestes a dar à luz seus filhos. Socorreu pessoas que, infelizmente, não pôde trazer de volta dos hospitais. Fazia viagens longas, sem ao menos saber a que horas voltaria. Era companheiro de todos: levava seus clientes às consultas e esperava o tempo que fosse preciso. Fazia corridas à faculdade, ao metrô, ao aeroporto, ao cemitério, às festas. Era assim... levava todos aonde quer que fossem.

José era bom. Bom para a família, bom para os amigos, bom para todos. Hoje está ao lado do Pai, onde não há sofrimento. O reencontro um dia é certo, mas, por enquanto, resta a saudade, resta a gratidão pelo homem incrível que foi.

"Peço à Deus vida longa para que eu possa ter o prazer de ser avó e ser tão boa quanto você foi para os seus netos Tay, Bella, Pedro (Todynho), para as crianças que você amava, os sobrinhos-netos Larissa, Lolo, Victor, Duda...", almeja a filha Cristiane, tendo como meta na vida, o que foi o pai.

A passagem foi sem despedidas. José não merecia partir em um momento como esse, da maneira como foi. Mas partiu.

"Pai, aqui te peço perdão por todas as discussões que tivemos, por todos os “bom dia” que não lhe respondi por toda a minha vida, porque, afinal, sempre acordo de mau humor. Mas prometo que isso já mudou, pena que eu aprendi com a dor. Pai, te amo tanto! Você foi embora e esqueceu de me ensinar como seria viver sem você", assim despediu-se Cristiane.

Em sua despedida final, teve ao seu lado seu amado sobrinho Binho, seu "chiclete" Guilherme e o Roy, uma das únicas pessoas que José permitia cortar seu cabelo, além de André, Roberta e Crislaine. A gratidão é eterna por todos que possibilitaram uma partida com, pelo menos um pouco, a cara de José.

José se foi e, desde então, deixa saudades nas filhas Cristiane e Crislaine, nos netos, na querida esposa e em cada um que teve a honra de conhecê-lo. Ficam as lembranças de seu sorriso e sua alegria.

"José, um dia faremos um sambão e também ouviremos "Do You Wanna Dance?", de Johnny Rivers, como você desejava. Nunca será esquecido, para sempre será amado", finaliza a filha.

José nasceu em São Paulo e faleceu em São Paulo, aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de José, Cristiane Bonanho. Este tributo foi apurado por Thyago Soares, editado por Mariana Coelho, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 7 de junho de 2020.