1945 - 2021
Quando ela chegava era como se uma luz se acendesse.
Para Josefa, não existia tempo ruim. Ela possuía um coração alegre e o sorriso estampado no rosto.
Muito católica e devota de Nossa Senhora, frequentava a missa toda semana acompanhada de uma das filhas e costumava conduzir as rezas nos enterros, mesmo das pessoas que não conhecia.
Josefa tinha sempre uma palavra amiga e de Deus para dar aos outros. Prestativa por natureza, colaborava em todas as atividades coletivas da igreja, em especial na tarefa de cozinhar. Aliás, preparava uma farofa de feijão espetacular.
Por seu carisma e vontade de ajudar o próximo, tornou-se popular em Ceilândia, região administrativa de Brasília onde morava. Tanto que as festas locais aconteciam em frente à casa dela, pois a população sabia que Zefinha, como a conheciam por lá, não se importava.
Na comunidade, participava das viagens, dos mutirões de ajuda, sorridente e disposta a ajudar como de hábito. Além de muito cheirosa!
Outra lembrança memorável dessa mulher tão amada era o costume de presentear nos aniversários. Ela fazia questão de comprar nem que fosse um sabonete.
E Zefinha marcava presença em todos os eventos familiares, sendo a primeira convidada a chegar e a última a sair, uma vez que só ia embora depois de tudo estar limpo e arrumado.
"Ela sumia, e quando a gente se dava conta, estava tudo limpo, louça, chão, e ela lá, sorrindo", relembra Rayane, neta de coração.
Rayane explica que Josefa era a mãe do padrasto do seu esposo, e que, de tão especial para o casal, foi madrinha de casamento deles. E diz: "Para mim, ela representava algo puro e verdadeiro, que acredito ter que existir no casamento".
Josefa ainda merece ser lembrada pela dedicação e cuidado com a família. Ela assumiu a criação dos três filhos de uma filha que partiu, além de outros dois netos e uma bisneta.
"Todos foram morar com ela, que cuidou deles como filhos em tudo: amor, criação e educação", relata Rayane.
Em casa, a rotina dedicada também incluiu o irmão deficiente, falecido em 2018, com mais de 90 anos. "A gente sabia quando Abdias tinha acabado de tomar banho porque a casa ficava cheirosa de tanto perfume que ela passava nele", relembra a neta de coração.
Josefa foi casada por mais de 60 anos e, ao lado do esposo, trabalhou a vida inteira para criar os filhos e os netos. Os dois gostavam de dançar e tomar uma cervejinha, mas, em 2014, a partida de seu "véi", como se referia ao marido, levou junto esses momentos.
Contudo, Zefinha não deixou de ser alegre. Adorava uma partida de dominó e assar "uma carninha", como dizia. Este foi, inclusive, seu último pedido, para a Páscoa: "Se eu estiver melhor, vamos assar uma carninha?"
Dona de duas casas no seu lote, mantinha uma delas alugada para uma moça que morava com a filha. Quando a inquilina perdeu o emprego e deixou de pagar o aluguel, a água e a luz, a proprietária não teve coragem de tirá-la de lá, e ai de quem ousasse falar alguma coisa. Até compras ela fazia para ajudar a moça.
"Quando a gente brigava com ela por isso, ela dizia que preferia morrer do que não ajudar o outro", conta Rayane. "E assim ela fez, deu a sua vida pelo outro."
A neta de coração acredita que, talvez, Zefinha fosse a única pessoa no mundo ainda a manter uma linha de telefone fixo, e diz que todos sabem o número de cor. Porém, admite que nunca mais será igual ligar, em razão da falta de ouvir: "Oi, minha fia, você tá bem?"
"Eu poderia passar horas e horas falando e escrevendo e, ainda assim, não seria o suficiente para expressar o que ela foi", finaliza Rayane, saudosa.
Josefa nasceu no Rio Grande do Norte e faleceu em Brasília (DF), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Josefa, Rayane Rodrigues de Carvalho. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Mariana Quartucci, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 3 de maio de 2021.