1964 - 2020
Além de luz para muitos, era guia e força para quem dependia dela e de seu amor.
Neide era a alegria da família Vila Nova, uma força da natureza que nasceu para abençoar vidas e oferecer consolo a quem precisasse de um abraço.
"Com ela, aprendíamos a ser brisa quando o tempo era bom e os dias de paz. Com ela, também aprendíamos a nos preparar para a guerra e a lutar com toda força contra os dias difíceis. Era a mainha Neide para a filha, a titia Neide para outros, a Neidoca amiga para tantos...", conta o sobrinho e afilhado Isaias.
Sua coragem a colocava à espreita de muitas conquistas e riscos, sem nunca perder a responsabilidade de arcar com as próprias decisões. Toda ela era amor. Amor e trabalho. Um trabalho árduo que ela trazia com muito orgulho e que fazia dele sua arte: a arte de fazer as coisas bem feitas, com requinte e capricho, como se fizesse para si mesma.
"Tia Neide era muito especial mesmo, devo a ela muitas das minhas características atuais e memórias afetivas deliciosas. Ela era muito animada, festeira mesmo. Onde chegava provocava risos e a aversão de gente careta. As festinhas da família eram promovidas por ela. Lembro-me de uma dessas, para comemorar o Dia das Crianças, em que ela e minha mãe montaram uma bela mesa ─ na humilde casa da madrasta delas ─ em baixo de um pé de carambolas, com a arrumação bem típica dos anos 80 ou 90, como era feito em todos os aniversários: com um bolo enorme, duas garrafas de refrigerante retornáveis e um monte de beijinhos e brigadeiros. Tudo isso embalado nos LPs da Xuxa no toca-discos", relembra Isaias.
Isaias resgata com facilidade as boas recordações de quando tinha apenas 7 anos e sua prima ─ filha da tia Neide ─, um ano a menos. Eles se tratam até hoje como "prirmãos", tamanha é a união e cumplicidade dos dois: "Lembro-me muito dela como a tia maluca que entra na roda para interagir com as crianças. Pulava, corria, dançava e cantava sem vergonha nenhuma. Ela era amiga e tinha um papo muito mais jovial que o meu até, falávamos sobre sexo abertamente, inclusive, para minha vergonha de filho-sobrinho, falava de boa sobre sua própria vida amorosa. Era uma tia doidona, a irmã incompreendida porque fazia o que queria e não devia nada a ninguém", afirma Isaias.
Josineide deixou um vazio enorme em uma família que ainda precisa aprender uma porção de coisas. Uma delas é a capacidade de se importar, de intervir pelo dever de sangue, de serem justos uns com os outros. Mas que não pensemos que Neide era um floco do céu apenas, era também um ser humano com muita sede de viver, de saborear e de se apaixonar.
Tia Neide foi a primeira pessoa a quem Isaias contou que era gay. "Meu processo de autoaceitação foi uma época muito conturbada, mas eu sabia que com ela não haveria julgamento. Confiei como se confia a uma mãe, e sempre soube de sua resposta: 'Não mudou em nada, meu filho. Sua madrinha continua te amando', disse ela apenas reforçando o que, na verdade, eu sempre soube."
Toda ela era calor humano e fé. Uma fé tamanha que não fazia nada se não deixasse tudo sob a bênção da Providência. Ela era o pilar de uma família inteira. Até os parentes mais afastados corriam pra ela quando apertava, porque ela era agregadora. "Ela gostava da humanidade dela, dessa capacidade de ser boa, mas não boba", relata Isaias.
"É por amor que seguiremos nossas vidas, sempre em ritmo e movimento, porque ela esperaria isso de nós. Esperamos um dia reencontrar essa sua energia em algum lugar desses confins de realidade para um abraço infinito. Seu amor, calor humano e fé estarão para sempre presentes", conclui o sobrinho e afilhado.
Josineide nasceu em Recife (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo sobrinho e afilhado de Josineide, Isaias José Vila Nova da Silva. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 17 de maio de 2021.