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Joy May Terencio

1949 - 2021

Ele abraçava as árvores e usava seu otimismo como ferramenta diária para transformar as dificuldades da vida.

Joy foi um homem determinado e muito trabalhador. Carregava com orgulho seu nome e o fato de servir na Aeronáutica, e se arrependia apenas de não ter seguido carreira.

Pelos filhos tornou-se uma pessoa forte e sua trajetória fez com que se transformasse numa pessoa bastante rígida. Porém, sempre foi otimista e, com o tempo, foi se espiritualizando cada vez mais e deixando também que sua veia poética aflorasse. "Por onde passava as pessoas gostavam dele", revela orgulhosa a filha Cristiane.

Tinha afeição por números, fazia somatória de tudo e falava prontamente: "Esse com esse dá tanto". Adorava fazer suas apostas na lotérica e dizia: "Um dia vou ganhar na mega e vou ajudar todo mundo!" Mas, assim como o sonho de se tornar um milionário, o desejo de aprender a nadar também acabou não se concretizando.

Foi pai, sogro, avô e bisavô e exerceu plenamente cada uma dessas funções. Cristiane relembra a história da família: "Quando eu e meus irmãos tínhamos entre cinco e oito anos, minha mãe saiu de casa. Durante um tempo meu pai nos levava à porta da casa dos meus avós, onde minha mãe morava. Nem ela, nem ninguém mais, assumiu o compromisso da criação de três crianças, mas meu pai sim. Desistiu de pedir apoio, enfrentamos diversas dificuldades, inclusive financeiras, mas seguimos nossas vidas no formato 'um pai e três filhos' e sobrevivemos bem."

Joy costumava usar vários bordões: "Sou o senhor do meu caminho e rei do meu destino"; "Aos trancos e barrancos estou de pé"; "Quando eu morrer não quero ninguém chorando". A filha suspira ao mencioná-los: "Mal sabe ele como estamos sem sua presença. O que nos ampara é o legado de amor que nos deixou. Meu pai lutou muito por nós e se orgulhava em dizer que sozinho criou os filhos. Eu sempre o agradeci por não nos ter abandonado."

Sem nunca perder seu otimismo, Joy afirmava com frequência: "Tudo vai dar certo". Entretanto, todos os seus irmãos, Raquel, Leon, May, Mariza e Magali, tiveram que se despedir do irmão mais saudável e sem nenhuma comorbidade dentre os seis.

Agente da Fundação CASA (antiga FEBEM) durante treze anos, Joy ainda estava na ativa quando foi internado. "Sua rotina resumia-se a acordar por volta das 4:30h, se arrumar, tomar um café e pegar a condução para o trabalho, de onde retornava por volta das 20:00h", conta a filha.

Nos dias de folga adorava visitar quem amava. Ia com frequência na casa das irmãs e das sobrinhas; quando podia, visitava sua grande amiga Marcela e sempre passava também na casa de Cristiane. As folgas aos domingos eram reservadas também para ir à missa.

"Meu pai não teve outra pessoa, ficamos só nós quatro. Leonny, o mais velho, deu a ele uma neta: Maria Luiza. Leonard, o caçula, morava com nosso pai e cuidava dele. Eu e meu marido Paulo fomos os responsáveis pelos primeiros netos: Giovanna e Lucas. A bisneta que ele tanto amava e a quem chamava de Luninha foi um presente da neta Giovanna", relata emocionada Cristiane, que complementa: "Nossa história de vida foi muito especial com ele. Poderíamos ter ficado órfãos na infância, já que ele sofreu dois graves acidentes."

Mas a vida os recompensou com essa caminhada junto a esse homem de alma livre. Como bem expressa a filha, Joy tinha seus defeitos, como qualquer ser humano. Apanhou da vida, mas o mais importante foi sua evolução. "Evoluiu tanto e ficou ainda mais otimista, sempre acreditava numa solução positiva para as coisas. Era uma pessoa bonita e simples que amava seus cachorrinhos e... abraçar árvores", relembra a filha que sempre indagava quando o surpreendia dando um desses abraços: "Pai, você está maluco?!", mas Joy respondia calmamente: "Você não sabe a energia que elas me passam."

"Pai, continuaremos te amando daqui, será o nosso eterno herói, o Tarzan, o Avô e o Bobô Joy. Ele ganhou o apelido de Tarzan quando fomos a uma cachoeira e ele não parava de se pendurar num dos cipós. Pedíamos para parar, até que o cipó arrebentou e ele caiu no barranco, se ralando todo. Mesmo assim, meu pai subiu de volta rindo e falando que não tinha acontecido nada", revela a filha.

Os maiores sonhos de Joy eram: ver seus filhos bem e sempre juntos, e ter uma casa própria. Tinha verdadeiro prazer em colecionar livros e, embora não tivesse tanto tempo para ler, os juntava aos montes. Amava a leitura e a escrita, era um tanto poético. Cristiane explica que, com relação ao hábito da escrita, "onde ele estivesse, assim que vinha algo em sua mente ou lesse qualquer coisa que o inspirasse, meu pai logo pegava algum pedacinho de papel e escrevia uma frase, uma poesia ou uma oração." A filha revela que, quando foi internado, ele estava lendo "O Poder do Perdão", que conta a história de famílias que pediam perdão para os entes queridos já falecidos.

"Jamais imaginávamos perdê-lo para esse vírus. Nosso pai era muito forte, não gostava de incomodar ninguém; sempre fez sozinho suas próprias coisas. Gostaria muito de dizer a ele que só queríamos parar o tempo e não desistir, e só vê-lo sorrir pra nós. Te amamos muito! Você não imagina a falta que está fazendo. Continuarei a dizer, como sempre: obrigada! Obrigada por nunca ter desistido de nós, nosso herói!", conclui Cristiane em nome dos irmãos, do marido, dos netos e da bisneta.

Joy nasceu em Pereira Barreto (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Joy, Cristiane Terencio Amato Cotrim. Este tributo foi apurado por Ana Helena Alves Franco, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 27 de janeiro de 2022.