1970 - 2020
Jussara sempre foi moleca. Brincava, sorria, cozinhava, vendia malas. Era multifunção porque tinha muito amor.
Ali pela centésima festa de família que Jussara fazia questão de animar, as pessoas ainda se surpreendiam. Claro que, às vezes, a filha única, Juliana, chegava junto e pedia para a mãe dar uma segurada, mas aquilo parecia mais uma brincadeira entre as duas do que repreensão. Jussara era moleca. Gostava de convidar toda a família para fazer churrascos no fim de semana.
Gostavam de chamá-la de Tia Ju, porque era afeita demais aos sobrinhos. Até se ofendeu quando a família chamou um animador de festas profissional para um aniversário. Queria ela mesma homenagear a criança, do jeito que lhe era característico: brincando, apelidando e sorrindo.
Jussara era de fazer amizades e contatos para a vida inteira. Talvez por isso, tenha se casado com Julis Rimil, sua paixão da infância. Conheceram-se aos 13 anos e, do amor, materializaram Juliana, a filha que foi três partos em um: quiseram que nascesse de forma natural, depois de cesária e depois puxaram a filha a ferro. Como mãe, bastava a ela o companheirismo da filha. Assistiram juntas à formatura on-line de Juliana em arquitetura, já dentro da quarentena, e se emocionaram.
Quando menina, a Tia Ju soltava pipa, jogava futebol. Ao ficar mais velha, tinha na família, no churrasco e na cervejinha de fim de semana o descanso da rotina. Trabalhava de segunda a sábado como vendedora numa loja de malas. Um dia antes do período de isolamento começar, iniciaram as suas férias. Foi uma dessas coincidências inexplicáveis, talvez para ficar mais próxima das duas pessoas com quem dividia tudo.
Julis e Juliana, por exemplo, já acordavam com uma pergunta: “O que vocês querem comer no café da manhã?” E daí, Jussara partia para a cozinha e entregava pratos cheios de amor. Tinha temperos muito bons. Generosa como poucos, cuidava dos seus como se cada dia fosse uma vida inteira. Tudo na vida era a família.
Se Jussara lhe entregasse um daqueles sorrisos grandes, você a reconheceria à distância. E ela sorria sempre, porque nunca quis que ninguém a visse triste. Alegrava o grupo da família no WhatsApp, cantava músicas com letras que ela mesma inventava e que nunca condiziam com a música de verdade. Aos domingos, limpava a casa ouvindo louvores e ia à missa.
Brigava muito com Juliana porque queria que todas as janelas e portas de casa ficassem abertas. Era para o sol entrar, poxa! Mas a filha discordava. Precisavam ser opostas em alguma coisa, talvez.
Jussara sonhava em ser avó. Aos 49 anos, já pensava em como seria o aniversário de 50. Compartilhava a data com um dos sobrinhos mais novos, a quem considerava sobrinho-neto. Foi madrinha de quase todos os sobrinhos, além dos filhos de amigos da família. Tiazona no sentido literário.
Jussara, a mãe, e Juliana, a filha, inverteram os papéis durante a quarentena. Era a moça quem cuidava de tudo em casa. Tornara-se mãe da própria mãe, por assim dizer. Acompanhou-a nas idas ao hospital, comprou os remédios, deu de comer quando faltava força.
No dia em que se viram pela última vez, foi impossível de se despedir. Jussara se sentiu mal e foi levada para o hospital às pressas. Teve de ser intubada, mas pediu ao médico que levasse só uma mensagem. Naquela hora, ninguém imaginava que seriam suas últimas palavras. Faleceria dois dias depois.
“Fala para a minha filha que eu a amo.”
Jussara nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Jussara, Juliana Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Josué Seixas, revisado por Lígia Franzin e moderado por Edson Pavoni em 20 de julho de 2020.