1949 - 2020
Tinha o sangue quente; Luda nunca levava desaforo para casa.
Tinha o sangue quente, sempre foi estressada. Quando os filhos eram mais novos e saíam, ela fazia o esposo ir atrás para que os dois pudessem buscar as crianças. Bastava um olhar, para que os meninos entendessem que em casa tudo seria resolvido. Às vezes, nem era preciso esperar, e tudo era solucionado ali mesmo, na frente dos amigos. Não levava um desaforo para casa.
Amava ver a família reunida, gostava de ter todos em volta para paparicar (e ser paparicada também!) Dona Luda, como era mais conhecida, estava sempre disposta a ajudar qualquer um que aparecesse, e abrir a porta de casa para quem precisasse. Tinha três guarda-roupas cheios de roupas novas, mas nunca deixava ninguém pôr a mão. Vivia falando que só quando ela partisse, aí, talvez, as filhas e netas poderiam, quem sabe, pensar em chegar perto.
Quando as filhas e netas se reuniam para conversar e ainda havia serviço para ser feito, costumava dizer que o desocupado é fábrica de satanás. Mesmo com seu jeito esquentado, os familiares sempre achavam ali um colo, a qualquer hora que precisassem. Adorava entrar na conversa dos netos e quase os matava de tanto rir.
Amava uma festa. Viajar era com ela mesma! Quando alguém dizia que ia viajar, era a primeira a entrar no carro. Gostava de rodar o mundo, visitando os parentes em todos os cantos do Brasil só para poder viajar. Adorava mandar áudios pelo aplicativo de mensagens.
Era apaixonada pelo seu Aparecido. Foram casados por cinquenta e quatro anos. Todos os dias, assistiam ao jornal e às novelas juntos. Os dois eram tão grudados que, segundo os médicos, ele foi internado na sexta à noite e o colocaram do lado dela. Às 13h do dia seguinte, os aparelhos dos dois zeraram juntos.
A família diz que, nesse meio tempo, os dois estavam brigando sobre quem iria primeiro. Como dona Laudemila sempre mandou na relação, obrigou seu Aparecido a ficar um pouco mais, para amenizar o sofrimento.
Conseguiram reanimar seu Aparecido, que lutou bravamente durante dez dias, mas ela partiu.
Todos estão com saudade das brigas de Laudemila, os dias do lado de cá têm sido muito calmos, calmos demais... De lá, ela deve estar discutindo com alguém, enquanto está pensando em quem deve estar mexendo nos três guarda-roupas.
Para ler a homenagem ao marido de Laudemila, procure por Aparecido Dias da Silva, neste Memorial.
Laudemila nasceu em São Gonçalo Sapucaí (MG) e faleceu em Varginha (MG), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Laudemila, Fernanda de Sousa Petrim. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bárbara Aparecida Alves Queiroz, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 25 de outubro de 2020.