1943 - 2021
Sabida da ternura como poucas pessoas, ela foi sempre abraço, acolhimento, generosidade e fé.
Esta é uma carta aberta enviada pela afilhada de Lázara, Layse:
Quando eu era criança, andava de mãos dadas com Nossa Senhora Aparecida. Chamada de Lázara por todos, eu não tinha dúvida: ela era a própria, com seu manto de veludo ornamentado, as mãos juntas no peito e a coroa na cabeça. "Mãe, me leva para ver a Lázara?" — e lá íamos nós até o altar da igreja aos domingos, pedir a bênção.
Meu começo da vida foi andar de mãos dadas com ela. Minha infância tem seu cheiro, a textura de suas mãos, o jabuticaba dos seus olhos. Lázara foi ao mesmo tempo minha mãe, minha avó, minha irmã e minha melhor amiga. Como brincávamos! E ela não levava as brincadeiras na brincadeira, não. Brincava igual criança! Pra valer. Éramos duas meninas colorindo suas infâncias. Eu alimentando a dela, que nunca foi embora, e ela alimentando a minha.
Lázara ensinou-me a liberdade, a invencionice e a fé na vida e nos caminhos nossos. O que Lázara dizia, estava dito. Até hoje tenho medo de lobisomem, porque ela disse que já viu um. Quem sou eu para duvidar da palavra de Lázara?
A infância foi embora, mas Lázara ficou.
Nunca vi Lázara reclamar. E quando conversávamos e eu esboçava alguma insatisfação, logo vinha ela a cortar meus lamentos. "Para viver, a gente tem que fazer esforço", disse-me no seu aniversário de 75 anos, em 2018. Na época, lembrei do que disse o escritor Guimarães Rosa: "o que a vida quer da gente é coragem".
De todos os livros que eu li, a Lázara é o meu personagem preferido.
Sabendo escrever apenas o próprio nome, ela brincava que era por isso que tinha cabeça boa: não precisava gastar a memória guardando tanta palavra. Seu vocabulário era feito de coração.
Há uns anos, ao perder sua filha, quando alguém parecia muito triste por ela, logo Lázara tratava de consolar com sua certeza e sua inabalável fé: "Ela está nos braços da Nossa Senhora!" — e abraçava a si mesma, aconchegando-se, como quem diz: "está tudo bem".
No início de fevereiro, recebi a notícia de que ela estava com suspeita de Covid-19. Na mesma hora, comecei a chorar. Ela, então, mandou um áudio para mim, dizendo: "Layse, eu também já rezei o meu rosário, já rezei o meu terço e estou aqui nas mãos de Nossa Senhora, que cuida de vocês também aí. Mas eu estou boa, não estou sentindo nada".
Eu não queria escrever essa história. Queria outra. Bonita. Com final feliz. Uma em que eu relatasse sua saída do hospital com balões de coração e acenos emocionados. Uma em que eu pudesse acompanhar sua melhora dia após dia. Uma em que eu a visse ficar bem velhinha, com 80 anos, depois 90 e, quem sabe, até 100. Eu queria escrever a história de uma mulher chamada Lázara Maria da Conceição Cipriano, que honrou o seu nome e viveu um milagre... Mas viver é muito perigoso, Lazinha.
Lázara ensinou-me que a alegria vale mais do que qualquer outra coisa e que a maior força é seguir em frente. Guardo cada palavra que ela me disse como algo sagrado. Lázara é minha utopia, meu amor. Sabida da ternura como nenhuma outra pessoa, ela foi sempre abraço, acolhimento e generosidade. Quanto privilégio dividir tantos dias com ela! Sua sabedoria sublime e seus braços sempre abertos alcançaram seus filhos, seus netos, seus bisnetos e tantas outras pessoas que também tiveram a sorte de dividir um pouco da vida com ela.
Independentemente da dureza da sua história, Lázara sempre continuava dançando, cantando, rezando e agradecendo. Passou pela vida sendo exemplo de luta, de amor, de fé e de alegria. Deixa seu legado em todos os corações que tocou com seu carinho incondicional. Não tenho dúvidas de que hoje ela já descansa nos braços de Nossa Senhora. Agora e sempre do lado de dentro, eterna e encantada Santa Lázara Maria da Conceição.
Lázara nasceu em Campo do Meio (MG) e faleceu em Andirá (PR), aos 77 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela afilhada de Lázara, Layse Barnabé de Moraes. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Mühl, editado por Layse Barnabé de Moraes, revisado por Débora Spanamberg Wink e moderado por Rayane Urani em 22 de julho de 2021.