Sobre o Inumeráveis

Leontina de Bastos Araújo

1939 - 2021

A bordo de um ônibus, no barracão dos fundos da casa ou no forró, ela soube viver intensamente.

Ela foi avó, mãe e esposa. Pitchula, Tina ou vó Tina moldou seu mundo à própria maneira. Estava sempre pronta para ralhar com os 13 netos que ajudou a criar, mas também nunca deixou que lhes faltassem abraços, beijos e colo.

Teve uma vida ditada pela simplicidade: casou-se cedo, formou uma grande família e teve a rotina transformada quando deixou a roça e foi para a cidade. Ainda assim, nunca perdeu a vaidade. Com as unhas sempre feitas e os cabelos no tom certo, vivia à espera das terças e quintas-feiras para curtir o seu tradicional forró.

Equilíbrio é tudo, e Leontina sabia disso. Soube conciliar uma vida aventureira com uma vida caseira.

No barracão nos fundos da casa, seu lugar preferido, passava horas e horas entre um cigarro e uma xícara de café forte, remendando, ajustando e cortando roupas para familiares e clientes. Lá também alimentava um batalhão de crianças barulhentas com seus famosos bolinhos, pipocas, pirulitos e uma mistura gostosa e simples que levava açúcar, achocolatado e farinha.

Era nesse lugar mágico, em meio aos retalhos de tecidos, das tesouras e agulhas que juntava o suado dinheiro para realizar seus pequenos prazeres e também para fazer o que mais amava: viajar. Com suas amigas, do grupo da terceira idade, conheceu os quatro cantos do país viajando de ônibus.

Metódica, tinha data e hora para tudo. O café forte e sem açúcar era servido rigorosamente no final da tarde. Ai daquele que, por desaviso ou esquecimento, usasse a panela de arroz para qualquer outra coisa que não fosse para fazer arroz. E coitado de quem ousasse trocar de canal na hora da cantoria dominical, que ela afirmava estar ouvindo mesmo estando a dois ou três cômodos de distância.

Em meio a tantas lembranças boas, filhos criados e netos crescidos, a casa com o quintal que presenciou mil e uma aventuras parece agora tão calada, tão vazia... e os familiares ficam a se perguntar: “Quanto espaço ocupa a sua falta?”

Leontina nasceu em Goiânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Leontina, Vinícius Victor Araújo Barros. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Vera Dias, revisado por Paula Ledo dos Santos e moderado por Lígia Franzin em 5 de abril de 2021.