1970 - 2020
Era um menino grande que acreditava que sua alegria o faria imune a todos os perigos, que viveria para sempre.
Esta é uma carta aberta escrita por Maria Tereza a seu irmão caçula, Licooln:
Antes mesmo de nascer, Lincooln já encheu a nossa vida de cores e alegria, foi uma criança muito esperada e amada por todos nós. É que quando minha mãe engravidou ela já havia sofrido três abortos espontâneos. No quinto mês de gravidez fomos surpreendidos por um sangramento; e o médico teve de fazer uma sutura no útero para que a gravidez fosse adiante. Mamãe teve de ficar de repouso para que o nosso Lincooln pudesse se desenvolver lindo e forte. Eu e Maria Cristina, minha irmã mais velha ficamos por conta de cuidar de todos os afazeres da casa e dos irmãos menores. Eu mesma já cozinhava; naquela época, as crianças tinham muitas responsabilidades nas tarefas de casa.
Todos os quatro meses de repouso, nossa lida com a casa e cuidar da molecada valeram cada segundo porque Lincooln nasceu um bebê lindo, grande, de pele clarinha e fartos cabelos escuros. Quando minha mãe chegou em casa com nosso caçula nos braços, ficamos encantados; foi uma festa! Praticamente um milagre.
Lincooln cresceu muito rápido aos nossos olhos. Parece que é sempre assim com os irmãos mais novos; em nossos corações nós os congelamos no tempo. Só que o tempo do relógio não é o mesmo tempo do nosso coração; ele corre célere, à nossa revelia. Meu pequeno era um menino amoroso, esperto, muito inteligente, sempre disposto a ajudar; mas não gostava nadinha de estudar, não; mamãe fez tudo o que pôde para ver se o mantinha na escola, mas não teve jeito, o máximo que conseguiu foi fazê-lo chegar ao 8º ano.
Quando completou dez anos, Lincooln resolveu que já era hora de ganhar seu próprio dinheirinho, começou a lavar carros na porta do extinto INPS, no Bairro Amazonas, em Contagem, aqui mesmo em Minas Gerais. Com 18 anos passou a ser vendedor autônomo de materiais elétricos, era uma espécie de representante comercial. Certa vez, conheceu um jovem empreendedor de São Paulo que estava revolucionando a forma de higienização de caminhões e trens de mineração, visando a economia de recursos hídricos. A empresa apresentava um método de limpeza desses veículos com a utilização mínima de água, quase uma lavagem a seco; Lincooln começou a trabalhar com esse rapaz e se saiu muito bem com esse novo emprego. Ele dizia "Veja, como as coisas marcam a vida da gente, comecei lavando carros na rua e hoje esse é meu ganha pão!".
Esse meu menino lindo foi pajem em meu casamento; entrou à minha frente na igreja quando me casei. Recém-casada, eu sempre o levava para passar os fins de semana comigo, Lincooln era como um filho para mim, afinal tínhamos dez anos de diferença de idade. Mais tarde, ele foi escolhido para ser o padrinho de batismo de minha primeira filha, Maísa. Lincooln também constituiu sua própria família, casou-se com Raquel e teve dois lindos filhos, Gabriel e Ana Raquel.
Nosso caçula viveu a vida que escolheu para ele, foi feliz de acordo com suas escolhas. Um dia, ele veio me fazer uma visita; e não pude deixar de reparar que ele precisava "perder uns bons quilinhos", ao que ele respondeu "Eu até tenho uma indicação para fazer uma cirurgia bariátrica; mas não vou fazer, não. Porque tem duas coisas que eu amo nessa vida: uma é minha família, a outra é comer!".
Lincooln se comportava como se fosse viver para sempre, acreditava que sua alegria o protegeria de todos os perigos. No fundo, era um menino grande que escondia sua ansiedade atrás de um enorme sorriso. Está fazendo muita falta o meu menino. Que Deus o guarde em sua infinita misericórdia e cuide dele com o imenso amor com o qual um dia eu mesma cuidei.
Lincooln nasceu em Belo Horizonte (MG) e faleceu em Contagem (MG), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela irmã de Lincooln, Maria Tereza Amorim da Silva. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Ana Macarini, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 28 de janeiro de 2021.