1931 - 2021
Os apertos financeiros nunca impediram essa matriarca de comemorar os aniversários; um bolinho nunca faltou.
Esta é uma carta aberta da neta Ana Cristina para a sua avó Luíza:
Ela ficou órfã de mãe muito cedo. Desde os cinco anos de idade ajudava a madrasta nos afazeres da casa. Colocava um banquinho em frente ao fogão, subia nele e auxiliava no preparo dos alimentos. Na adolescência conheceu Moacir, que era noivo de sua amiga. O noivado terminou e ele se rendeu aos encantos de Luíza. Namoraram quatro meses na janela da casa dela. Ela dentro e ele fora. Mediante o pedido de casamento, ganhou o direito de entrar em casa e namorar no sofá. Ele de uma lado, Luíza do outro e no meio a madrasta. No cinema a regra era a mesma. Casaram logo.
Um ano depois do casamento, Moacir e Luíza tiveram sua primogênita, Marina. Estavam mesmo determinados a formar e cuidar de sua própria família. Geraram muitos outros filhos depois de Marina. Os nomes de todos seguiram a inicial M: Marisa, Mauro, Marília, Marcos, Marilda, Margareth, Márcia, Magali, Marta, Marcelo e Márcio. Os primeiros nasceram em Bananal, sua cidade de origem, e onde viveu com o esposo e filhos nos primeiros anos do casamento. Lá eles tinham um bar, onde ela cozinhava uns petiscos para serem servidos aos clientes. À noite, seu passeio favorito era ir ao cinema.
Quando o bar faliu, meus avós se mudaram para o Rio de Janeiro. Enquanto meu avô Moacir trabalhava no comércio, minha avó Luíza costurava para fora e cuidava dos filhos mais novos, com a ajuda dos filhos mais velhos. Ambos amavam lidar com a terra, e tinham talento para isso. Plantavam hortas nas casas por onde passavam, gostavam de zelar pelo lar, eram cuidadosos com a casa, gostavam de reunir a família à mesa. Aliás, formaram uma família festeira, que sempre gostou de estar reunida, de celebrar cada aniversário, Páscoa e Dia das Mães juntos. Mudaram-se inúmeras vezes, enfrentaram muita dificuldade financeira, mas nunca deixaram os filhos sem um bolo de aniversário, ou sem um presentinho de Natal, por mais simples que fosse tudo.
Seus ensinamentos para os filhos foram muitos: cozinhar, costurar, cuidar da casa, lidar com a terra. Todos herdaram estes saberes e tornaram-se adultos criativos, inventivos e talentosos. Meu avô nos deixou cedo e minha avó se tornou viúva antes dos 60 anos. Com sua força e determinação, Luíza terminou de criar os filhos, a quem sempre amou e aceitou ― cada qual com suas particularidades, temperamentos e escolhas ―, incondicionalmente. Ganhou genros e noras, a quem sempre tratou como filhos e filhas, sem distinção. Ganhou netos e netas. Posteriormente, bisnetos e bisnetas. Cultivou muito amor entre todos. E sempre foi muito amada.
Minha vó Luíza foi uma mulher de muita fé. Durante muitos anos de sua vida, rezava diariamente um terço para cada membro de sua grande família. Outra marca sua eram as cartinhas que escrevia frequentemente para todos da família, sempre com palavras de amor e fé. Teve uma fase, já bem idosa, de bordar toalhinhas e panos de prato para todos. Era dada a essas delicadezas. Nos últimos anos de sua vida, fazia um rodízio aos finais de semana, passando pelas casas dos seus filhos e filhas. Viveu com saúde e cercada de muito amor até os seus 90 anos. Estávamos pensando em preparar uma festa para celebrar os 90 quando acabasse a pandemia.
O amor que ela nos ensinou e que nos acalentou uma vida inteira, sempre foi tão grande, que até no seu sepultamento conseguiu promover uma reunião familiar que, ao final, reproduziu na porta do cemitério a cena clássica de todo final de festa: um monte de gente que se despede uma, duas, três vezes e nunca vai embora... Nossa matriarca se foi, mas deixou aqui uma grande família cheia de afeto.
Luíza nasceu em São Paulo (SP) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Luíza, Ana Cristina Malheiros França. Este tributo foi apurado por Larissa Reis, editado por Bárbara Tenório, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 12 de agosto de 2021.