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Luzia da Graça Lima

1948 - 2020

Faladeira, adorava bater papo no telefone. Mais que isso, amava cuidar dos netos, suas grandes paixões.

Luzia nunca teve a oportunidade de estudar, mas nunca deixou de batalhar. Quando criança, precisava ajudar o pai a colher café na fazenda em Pratápolis, no sul de Minas. Aos 12 anos, perdeu a mãe, e foi cuidada por uma tia. Aos 19, mudou-se para São Paulo, onde foi morar com a irmã mais velha, e precisou procurar emprego. Passou a trabalhar como empregada doméstica.

Logo conheceu seu companheiro de vida, Manoel, com quem foi casada por trinta e dois anos, até o falecimento dele. Começou, com ele, uma família linda e grande em 1969, quando nasceu o primeiro dos oito filhos. Mulher de garra, era rígida na educação, mas também muito generosa. Sonhava que os filhos tivessem mais do que ela pôde ter e batalhou muito para criá-los com dignidade. Preocupava-se mais com o bem-estar da família do que com ela mesma. A avó de 12, deixou aflorar o lado mais amoroso e carinhoso. Afinal, eles eram suas grandes paixões e não havia, para ela, nada melhor do que poder cuidar dos netinhos.

Ao longo do tempo, Luzia exerceu outras funções, tudo a fim de alcançar os sonhos de uma vida melhor, como um apartamento próprio. Vendia bolos e tortas na porta da rede SBT, e trabalhou para uma empresa terceirizada, como auxiliar de limpeza, onde fez muitos amigos.

Boa de papo, gostava muito de conversar. Se o interlocutor — presencialmente ou pelo telefone — tivesse tempo, eram horas a fio. Era caso atrás de caso. Além disso, em casa, um de seus passatempos favoritos era cozinhar sopas, carnes, pães e sua especialidade: nhoque. Para animar as atividades, colocava para tocar algumas das músicas que lembravam sua infância. Também adorava assentar na rede para assistir às novelas e filmes, ou passar horas ao telefone, conversando com familiares e amigos.

Muito religiosa, a vida de Luzia foi guiada pela fé em Deus. Para ela, nenhuma situação era tão ruim que não pudesse ser resolvida e, para isso, orava. Um mês antes de falecer, contou para a filha Alzira de um sonho que teve. Nele, ela estava num jardim muito bonito, quando uma moça, igualmente bela, a pegou pela mão e a levou. Apesar de um pouco impressionada, confiou que o significado daquilo era bom.

Depois, ao ser infectada pelo novo coronavírus, e quando foi levada ao hospital, disse tranquilamente: “eu estou nas mãos de Deus”. E assim foi. Passou o aniversário internada, e partiu três dias depois, sem a chance de uma última conversa.

“Hoje eu acordei com saudades de você.” O primeiro verso da música favorita de Luzia, “A Praça”, um sucesso gravado por Ronnie Von, passou a ser o sentimento predominante na família. Assim como na canção romântica, mas triste, que Luzia carregava como lembrança de Joaquim, uma paixão de infância que deixou para trás, agora “tudo é igual”, mas todos estão tristes por não ter mais Luzia por perto.

Luzia nasceu em Pratápolis (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Luzia, Alzira Lima Vieira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mariana Campolina Durães, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de janeiro de 2021.