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Manoel Cele Rodrigues

1958 - 2020

Homem honesto, íntegro e dedicado à causa autista. Encontrou-se no papel de avô e amou seus netos como ninguém!

Manoel foi um presente, um anjo enviado para seus familiares.

Nascido no interior do Pará, almejou voar mais alto e assim, seguiu para a capital, onde entrou para a Marinha do Brasil e daí realizou seu primeiro sonho — o de ser militar.

Na juventude, conheceu sua esposa Claudete, com quem dividiu a vida e teve três filhos. No papel de um pai exemplar, educou com muito amor e bons exemplos, foi presente até os últimos instantes.

Mas quando todos pensaram que ele só era um bom pai, enganaram-se, pois iriam conhecer o lado avô — o melhor avô do mundo! Davi, seu neto, com quem teve grandes momentos de amor, jamais irá esquecer dos ensinamentos deixados pelo vovô que tanto ama e que era para ele como um pai. "Um amor lindo de se ver... como aqueles de outras vidas... Ah, que saudade desse homem íntegro que pensava mais no próximo do que nele mesmo!", relembra a filha caçula, Priscila.

Patrícia, a primogênita, contou que seu pai tinha um sonho: ser comentarista de futebol. Era um paraense apaixonado pelo Paysandu e também pelo Fluminense, sabia tudo — de todos os tempos —, sobre futebol. "Toda vez que assistia a um jogo, sempre sabia quem ia vencer a partida, só pelo jeito do time entrar em campo... Era muito legal quando ele dizia qual jogador ia acertar o pênalti... Ah! Quanta saudade de ouvir meu pai falar de futebol... coisa que eu não curto muito, mas era tão bom!"

E, como um bom sonhador que era, mesmo com os pés de militar no chão, queria viver mais alguns anos para ver seu netinho crescer e se tornar um homem. "Mas para mim, a verdade é que ele queria proteger o Davi, que é autista, do mundo cruel e sem coração, que não entende nem percebe a sensibilidade e a dificuldade que é ser uma pessoa especial", conta a filha Priscila.

Além da paixão pelo futebol, o Carnaval o fazia muito feliz! Manoel era o cara da organização, gostava de estar no meio no desfile, entre a bateria e a alegoria. E suas comidas então? Manoel era também "o cara" na cozinha. Apesar de tudo isso, os filhos consideram que, de todas as paixões desse homem que era tão feliz, a maior delas era "cuidar", e todos são unânimes em dizer: "Seu senso de proteção era enorme, colocava a sua família toda debaixo de seus braços. Um 'não' era raro para os seus."

Wellington, filho de Manoel, relembra que quando ainda estava aprendendo a ler, lia todas as placas que via, tudo mesmo... e nos contou: "fomos então na casa de um amigo dele, lá chegando, li 'motel' e perguntei o que era; ele, com toda a sua paciência e cuidado, respondeu: 'meu filho, é um local onde duas pessoas que se amam vão trocar carinhos', no momento, ali, não foi engraçado, mas até hoje, quando me lembro disso, dou muita risada sozinho!"

Pelo neto, Manoel buscou e aprendeu muito sobre o autismo e tudo que envolve a causa. A filha Priscila conta que "em uma virada de ano, ele estava quieto, vendo os fogos e eu perguntei: 'O que foi pai? Tá triste?', e ele deu um sorriso tímido e respondeu que só estava pedindo pra Deus mais uns anos de vida, para que pudesse ver e ajudar o Davi a crescer e virar um homem íntegro como ele foi."

E com essas e muitas outras histórias, os filhos de Manoel concluem que, apesar de ser muito difícil encontrar e conviver com um anjo na Terra, eles tiveram essa sorte.

Manoel nasceu em Cametá (PA) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelos filhos de Manoel, Priscila, Patrícia e Wellington. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Lígia Franzin, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 13 de setembro de 2020.