1942 - 2020
"Vai em paz, arrú!", assim nos despedimos de seu Manoel, com a expressão mais usada para mostrar sua alegria.
“Parece que eu tô é vendo o Mané ali no alpendre, no chip-chip, passando a agulha de tarrafa, cigarro pendurado na boca, fazendo uma nova rede de pesca ou reparando uma que já havia se rasgado”, lembra com a voz embargada dona Lindomar, esposa de Seu Manoel Conrado. E ela continua: “e quando ele jogava aquela rede no mar, fazia um círculo bonito, bem redondo, eita! Que era peixe muito que ele pegava!”
Manoel era um homem simples e muito tímido, um pescador artesanal. Não era de muitas palavras, mas era conhecido por todos na rua onde morava. Vivia com dona Lindomar, sua companheira de muitas décadas, com quem teve três filhos. Teve também oito netos; uma filha, que ainda morava com eles e um cachorro, o Lobito. Aliás, seu "Mané", como era chamado carinhosamente, adorava cachorros. Teve muitos. Horas antes de sua partida, perguntou por Lobito, que sempre foi um cachorro muito esperto e agitado, latia quando ouvia qualquer barulho e quando qualquer visita chegava na casa. Agora, Lobito calou-se, sentindo a partida de seu dono.
Seu esforço em estar com a família fez com que vencesse difíceis barreiras. Conseguiu vencer o vício da bebida e do cigarro. Foi uma vitória dele e de todos, pois cada um deles sabia que, assim, viveria melhor.
O apego pelos filhos era constante e Seu Mané nunca faltava aos eventos em família. No Natal de 2019, fizeram, como sempre, a brincadeira do amigo-oculto; desta vez, ele tirou o neto Gregório, que conta: "esse foi um natal muito especial, pois reuniu toda a família".
"Meu avô foi um grande pescador e um grande admirador de futebol. Torcia pelo time de sua região, o Moto, e sempre estava com a camisa de seu time. Mas não se enganem, esse torcedor do Moto Clube do Maranhão, no entanto, não passava nem perto de uma moto, desde que sofreu um acidente. Recusava todas as caronas se estas fossem de moto. Isso, porque tinha sido atropelado por uma moto, muitos anos atrás", conta Gregório. Por mais que precisasse ir a um lugar distante, ele sempre preferia ir andando a ir como garupa em uma moto. E assim, fazia seu neto deixar a moto na porta de sua casa e acompanhá-lo, andando até o banco. Era um homem honesto, que pagava suas contas sempre em dia e ficava muito grato quando alguém o ajudava em alguma tarefa.
Gostava de caminhar, não tinha problema com distâncias. Andava devagar, mas andava bastante para fazer suas compras básicas do dia a dia. Gregório recorda o arrastar de suas sandálias, nos lentos passos pelas ruas. Tinham se tornado bem próximos, desde o último Natal. Mané era homem sério, do tipo que fala pouco e não se queixava quando estava doente. Talvez por isso, tenha sido tarde demais.
O neto diz que seu avô Mané era conhecido por uma expressão que usava para cumprimentar as pessoas: "arrú". Uma palavra que usava para demonstrar alegria ao falar com seus conhecidos. “Ele era muito querido na vizinhança”, diz Gregório. No dia em que ele foi internado, no momento em que era colocado na ambulância, toda a vizinhança mais próxima olhava de longe, com tristeza e, sobretudo, com a esperança de que ele pudesse voltar recuperado. “E a minha avó, nesse momento, chorava muito”, comenta o neto. “Essa foi a despedida deles. Foi a última vez que eles se viram. Ele não voltou mais”. E o neto completa: “Essa cena ficou marcada em nossa memória. Tenho certeza de que, chegando ao Céu, a primeira palavra que meu avô disse, se apresentando e mostrando que chegou feliz, foi: arrúúu!”
Manoel nasceu em Apicum-Açu (MA) e faleceu em Apicum-Açu (MA), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo neto de Manoel, Gregório Silva Castro. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Sandra Maia, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de junho de 2020.