1945 - 2020
A camisa do Botafogo e o chapéu eram itens obrigatórios no figurino do vaidoso Manoel.
Um esposo especial, o melhor amigo da filha, um avô que fazia todas as vontades da neta e um homem vaidoso.
Devoto de Nossa Senhora, Manuel tinha um oratório em casa, onde, ainda hoje, estão imagens de Maria representando diversos títulos concedidos pelos fiéis a ela. Para demonstrar sua devoção à Mãe de Jesus ele foi adquirindo imagens das Nossas Senhoras das Graças, da Penha, Aparecida, do Perpétuo Socorro e da Rosa Mística.
Com a esposa Ivone foram cinquenta e quatro anos de uma relação carinhosa. Dona Ivone, emocionada, somente conseguiu dizer que ele foi um marido especial. Caseiro, uma das coisas que ele mais gostava era de subir para o terraço e fazer uma cabeça de porco cozida no fogão a lenha, muitas vezes acompanhado por Dona Ivone.
À única neta, Manuela, nome em homenagem ao avô, ele não se cansava de agradar. Com seu olhar de criança, ela recorda que o avô sempre a levava onde quisesse. Nos passeios, Manoel sempre comprava doces e balas. Nas datas marcantes fazia questão de presenteá-la. Se a neta expressasse o desejo de ter um esmalte igual ao da mãe, ele comprava. Nos momentos em que brincava e agitava a casa, Manoel dizia, em tom de brincadeira, “quando não esse cachorro é essa menina que me amola”. Na realidade, a relação entre os dois era bastante intensa, e entre as brincadeiras de Manuela estava a de maquiar o avô. Valia tudo, inclusive passar batom na boca dele.
A presença do pai na vida da filha Simone foi fundamental para que ela se formasse em Educação Física e Fisioterapia. Nos momentos em que o orçamento apertava, Seu Manoel sempre dava um jeito de continuar pagando os estudos da filha.
O certo é que Manoel não se furtava a ajudar ninguém. Um exemplo disso foi o que aconteceu com Paulo, casado com a sobrinha Márcia. Numa infelicidade, ele acabou se envolvendo em um acidente de trânsito com um carro emprestado. Prestativo e atento, foi o tio quem ajudou o casal a pagar o conserto do veículo.
Enquanto caminhoneiro, Manoel rodou por muitas estradas do país. Depois fez concurso e foi contratado como motorista da prefeitura, o que dá oportunidade para contar um fato engraçado. Ele dirigia carro, trator e ônibus. Fazia questão de usar adesivos para personalizar o espaço do motorista. Em função de sua devoção, aplicava imagens de Nossa Senhora e pendurava o terço no retrovisor. Bem-humorado, ele transportava todos com muito cuidado.
O apelido dele entre os colegas da prefeitura era Manuel, a Lenda. Isso porque se por algum motivo ele cismasse que não iria realizar algum transporte, ninguém conseguia mudar sua opinião. E para manter o seu posicionamento ele xingava e não guardava nenhum tipo de palavra.
Ainda no campo do humor, um outro acontecimento. Certa vez, ele e mais seis amigos combinaram um churrasco na casa de um deles. No combinado, ficou decidido apenas que cada um levaria “alguma coisa”. Pois bem, no dia, horário e local combinados, os sete levaram sacos de carvão. Foi preciso procurar um açougue na região para que pudessem assar alguma carne.
Botafoguense, Manoel sempre ouvia a transmissão dos jogos do time pelo rádio. Quando saía de casa a lazer, usava somente camisas do Botafogo, que colecionava em seu guarda-roupa. Vaidoso, ele também usava chapéu como parte de seu figurino.
Entre os afetos de Seu Manoel estavam três animais. Um galo garnisé branco era um de seus xodós. Muito manso, a ave sempre estava dentro de casa, próximo a ele ou a alguém da família. O outro é o gato Zhóios, que convive amigavelmente com o cãozinho John. Quando Manoel estava em casa, os dois não saiam detrás dele.
Sobre o cão, chama atenção uma mudança de comportamento lembrada pela filha Simone. No dia em que o pai saiu de casa para ser internado, o animal — acostumado a vê-lo sair e ficar em casa — queria entrar no carro de qualquer jeito. Habituado a ser alimentado com carne moída, John ficou alguns dias sem comer. E nos momentos em que encontrava o chapéu do Seu Manoel em algum lugar da casa, deitava-se sobre ele.
“Papai, vovô Dedel, tio Mané, meu amor”, como seu Manoel era carinhosamente chamado, segue vivo nas lembranças das inúmeras histórias engraçadas que contava; na memória apaixonada de Dona Ivone; no coração afetuoso da filha, do genro, da neta, dos sobrinhos e nos dias das vitórias e derrotas do Botafogo.
Manoel nasceu em Cachoeiro de Itapemirim (ES) e faleceu em São José dos Calçados (ES), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Manoel, Simone Macedo Scarpi. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 1 de outubro de 2021.