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Manoel Silva Santos

1946 - 2020

Costumava ser bem sério, até que alguém o colocasse na brincadeira ou até que começasse a tocar um forró.

Nascido na Bahia, Manoel teve uma educação severa e começou a trabalhar desde muito cedo. Aos poucos, foi construindo o seu jeito de ser, que envolvia um pouco de seriedade e uma quantidade generosa de responsabilidade. Tinha uma relação de muita entrega e emoção com a Igreja Católica: colaborava, ia a todos os eventos, comemorava as datas especiais, e encontrava na religião uma fonte de força para seus momentos mais difíceis. A música “Noites traiçoeiras” representava muito em sua vida e se destacava entre os cânticos nos momentos em que as complicações batiam à porta.

Foi também na Igreja que Manoel se casou, em uma noite de Natal, com a mulher com quem viveu por 43 anos uma relação plena de afeto, cuidado e parceria. Na época, ele tinha 30 anos e ela 16, mas essa diferença de idade nunca pareceu ser um empecilho. Animado com o casamento e pensando no futuro, foi para São Paulo em busca de emprego. Deixou tudo preparado para a chegada de sua querida companheira: comprou um terreno e ergueu a casa onde construiriam uma vida juntos.

Manoel foi sempre muito atencioso com a esposa. Era bem caseiro e habituado a dormir cedo, mas costumava fazer a vontade da esposa, que gostava mais de sair. Como se davam muito bem, ele acabava cedendo e aproveitando. Todo ano iam ver a florada das cerejeiras em um parque da cidade e ele ficava admirando a natureza.

Quando vieram os filhos, cinco no total, o cuidado de Manoel com esses pequenos era de se admirar! Trabalhava para que nunca lhes faltasse nada. Cuidava da casa, fazia as compras, pagava as contas. Respeitava os princípios dos filhos, ao mesmo tempo que lhes ensinava a ter responsabilidade desde cedo e a importância de se comprometerem com os estudos e o trabalho.

A chegada dos netos foi uma alegria! Ele sempre quis ser avô e aproveitou o convívio com as crianças da melhor forma possível, especialmente com o neto que morava com ele: levava e buscava na escola, brincava, ensinava. E visitava sempre os que não moravam em sua casa; gostava de pegar no colo e de ajudar a cuidar. Com a mesma atenção e cuidado de quando foi pai, Manoel foi um avô muito zeloso e esforçado para dar o melhor de si.

Depois de muito tempo na área da metalurgia, Manoel se aposentou e embarcou na descoberta de muitas outras habilidades em artesanato. Buscava sempre aprender e surpreendia a todos quando mostrava sua produção de chinelos enfeitados e acessórios para bolsas. As vendas eram um sucesso e continuaram sendo quando passou a vender coxinhas, cocadas, geladinhos, cachecol, toucas de frio. Fazia de tudo! “O que ele quisesse, se falasse que ia fazer, ele fazia. E vendia! Era muito habilidoso, perfeccionista, e aprendia tudo com muita facilidade. Também era muito otimista e muito bom de lábia; então, vendia tudo!”, lembra a filha Ana Paula.

Mesmo em meio a tanta produção, nunca deixava faltar tempo para assistir aos jogos de futebol do São Paulo. Os filhos aprenderam a torcer por causa dele, acompanhavam-no para ver as partidas e trocavam presentes do time, como toalhas e camisetas. Misturada à tensão que sentiam nesses momentos, tinha também muita risada e brincadeira. “Ele era um pouco sério, mas quando colocava ele na bagunça, ele adorava, e ria até!”, nas lembranças de Ana Paula.

Manoel também se alegrava quando ouvia um forró. Ana Paula conta que “ele era sério, mas quando tocava um forró, ele logo se assanhava. Dançava sozinho, comigo, com minha mãe, com as minhas irmãs, com a sogra. Ele adorava! É muita memória boa: torcendo pelo nosso time, dançando com ele. Eu via aqueles olhinhos brilhando de alegria nos momentos com a família.”

Manoel foi um ótimo marido, pai e avô. Para a família, tê-lo por perto foi um privilégio. Ensinou a reconhecer um erro e se desculpar; a ser justo, verdadeiro e honesto; a se dedicar até o fim ao que se propõe a fazer; a zelar pela casa e pela família; a não se afastar de quem importa. Ensinou que o amor se mostra nas ações e no cuidado de todo dia; mostrou que se deve ser sério quando é preciso, mas que sempre tem espaço para uma gargalhada. Ensinou que se deve dar importância a profissões menos valorizadas, os garis, os pedreiros, os professores. Tudo isso faz parte do precioso legado que Manoel deixou, e fará com que ele seja sempre lembrado com muita admiração, amor e gratidão.

Manoel nasceu em Ituaçu (BA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Manoel, Ana Paula Silva de Souza. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Gabriela Pacheco Lemos dos Santos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 22 de julho de 2021.