1952 - 2020
Contava os dias para os rodeios de Barretos, o grande evento anual que ele não perdia por nada.
De ascendência ibérica, sua mãe, Maria Benites, descendia de imigrantes espanhóis e seu pai, Joaquim Teixeira, era português, vindo numa leva de imigrantes que se estabeleceram na Penha, um dos bairros mais antigos de São Paulo, na Zona Leste. Nos anos 1950 e início dos 60, as ruas do bairro ainda eram lugar de encontro, uma continuação das calçadas das casas onde as crianças brincavam e onde se via também o cenário das rivalidades entre os meninos da vizinhança. Depois, todos acabavam ficando amigos.
A família de Manoel era composta por seis irmãos: quatro meninos e duas meninas. Apesar do esforço, não foi fácil para Joaquim bancar os estudos dos filhos, por isso Mané, como era também conhecido, estudou só até a 4ª série do curso primário. Porém, isso não o impediu de se expressar muito bem na linguagem oral, bom de conversa que era. Começou a trabalhar desde muito cedo. Ainda menino, pegava xepa no final da feira.
Conheceu sua futura esposa no cinema do bairro. Ela, Ruth, gostava de ir sozinha às sessões. Certo dia, ambos foram assistir a um filme dos Beatles e foi à primeira vista que Manoel se encantou. Ousado, falou com ela, pediu o endereço. Ela não se interessou e para se desvencilhar rapidinho, deu os dados errados. Um tempo se passou até que, por graça do destino, andando pela rua, Manoel a viu no portão de casa. Aproximou-se, conversaram.
Ruth era reservada, mas a mãe dela gostou do rapaz. Foi um caso em que o pretenso namorado conquistou primeiro a sogra e, influenciada, a moça também foi gostando, cada vez mais. Logo se casaram. Manoel tinha 22 anos e Ruth tinha 24. Continuaram morando na Penha, e tiveram três filhos: Andrea, Monica e Mateus.
Ele tinha sonhos, queria crescer, investir, tinha espírito empreendedor. Teve banca de jornal, oficina de costura, avícola. Depois foi trabalhar no transporte público como motorista de ônibus e se tornou diretor do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de São Paulo. Gostava muito do que fazia, obteve conquistas nesta trajetória. Sempre acreditou que aqueles que buscam com afinco, conseguem atingir seus objetivos.
Era um avô amoroso para os três netos: Pedro, Calebe e Eduarda. Participativo na vida da família, não lhes recusava nada. Brincalhão e cheio de energia, alguns o viam como “um menino que não cresceu”. Mas era um homem de muitos amigos, divertido, transformava quase tudo em piada, embora seu temperamento forte e reclamão o levasse a explodir quando algo não era do seu agrado.
Um momento muito especial relembrado pela filha Mônica, foi o aniversário de 15 anos de Eduarda, a neta que tem paralisia cerebral. Ele entrou com ela na cadeira de rodas e era perceptível o orgulho que sentia. Seu maior sonho, conforme ele mesmo dizia, era ver Eduarda andando e pedindo algo pra ele! “Isso não será mais possível, mas sabemos o quanto ele amaria viver esse momento”, diz a mãe de Eduarda.
Até ser hospitalizado com a Covid-19, continuou trabalhando. A família tentava evitar que saísse, mas ele dava um jeito e ia para as reuniões de trabalho presenciais usando os equipamentos de segurança, como máscara e "faceshield". “Não tinha medo de arriscar e correr atrás do que queria”, conta Mônica.
Gostava muito de viajar sozinho, especialmente para os rodeios de Barretos. Amava também músicas sertanejas. Outra grande paixão foi o Palmeiras. Mesmo hospitalizado, conseguiu ver o time do coração na TV do quarto e que grande emoção foi ver o alviverde vencer!
Mais uma lembrança inesquecível foi o último final de semana que passaram juntos, em família. A data ficará para sempre na memória de todos: 27 de julho de 2020. Estavam descansando alguns dias na praia Jardim Soarão, em Itanhaém. Compraram pães, bolo e outras comidinhas afetivas para simplesmente comemorar mais um dia com as coisas simples e prazerosas da vida. Não poderiam imaginar que seria um encontro de despedida, todos juntos pela última vez. O que ameniza a dor é o sentimento de que foi um verdadeiro encontro, regado de afeto, confiança e amor.
Andrea, a filha mais velha de Manoel, expressa a impossibilidade de falar da grandiosidade de seu pai em tão poucas linhas: “Só quem o conheceu sabe o tamanho da pessoa que foi. Costumávamos dizer que meu pai ocupava todos os espaços, viveu como se não houvesse o amanhã; fez viagens que sonhava, várias para a Europa; realizou muitos sonhos dele e nossos também! É difícil resumir. Foi pai e avô, sogro e marido com quem todos nós podíamos contar!”
Manoel nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Manoel, Mônica Valadares. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 6 de janeiro de 2022.