1969 - 2021
Por amor aos animais, parou o trânsito por quarenta minutos para que uma jiboia atravessasse a via em segurança.
Marcelo era o segundo de quatro filhos. Era um conversador convicto que gostava de gente e de animais. Estimava estar entre amigos, comer bem e frequentar praias — inclusive, era nelas que se conectava com o sagrado e renovava-se. A mãe, por quem tinha verdadeira adoração, faleceu em 1991, aos 42 anos. Ele dizia que ela, a avó e o tio maternos eram sua verdadeira família.
Divertido e brincalhão, Marcelo gostava de contar a todos que se apaixonou primeiro pelo bumbum da futura esposa e, depois, pelo restante. Ele conheceu Maiby em 1999, no portão da casa de uma vizinha dela, e os dois logo tornaram-se almas gêmeas, como um amor de vidas passadas, presente e futuras. Daí para frente, nunca mais se separaram e faziam tudo juntos. Caso brigassem por algum motivo, dormiam na mesma cama, sob o mesmo edredom, com os rostos virados para lados diferentes. Se um saísse da cama, o outro ia buscar.
Os dois constituíram uma família na qual os dois tinham filhos de outros relacionamentos. Ele era pai de Yago, e ela mãe de Narrana, que ele criou desde os nove anos como se fosse filha dele. Sempre se preocupou com o futuro de ambos, insistindo para que estudassem e fizessem concurso público.
Marcelo apreciava carros, aviões e navios e amava dirigir. Para ele, qualquer momento era bom para viajar: se não estivesse trabalhando, colocava o pé na estrada sem destino certo. A esse respeito, conta Maiby: “Depois do trabalho, no fim do dia, íamos ao Quiosque do Gaúcho, na reserva entre a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, ou, nas madrugadas, ao Quiosque Tia Augusta, no Posto 1, também na Barra da Tijuca, só para comer um cachorro-quente e sentir o cheiro do mar, até mesmo no inverno. Em qualquer dia ou horário, também íamos em Ponta Negra, distrito de Maricá, onde meus tios e primos moravam”.
Possuía olhos e um sorriso lindos que conquistavam as pessoas em dez minutos de conversa. Inteligente, altivo e vaidoso, nunca saiu de casa malvestido nem sem seu perfume preferido. Calça jeans e chinelo? Nem pensar! Se a camisa tivesse um furinho, mesmo que cerzido e reparado pela esposa, ele doava. Amarrotado? Nunca! Os cabelos estavam sempre bem cortados, os sapatos lustrados, e os pés tratados com podóloga todos os meses.
Marcelo foi militar e atuou como paraquedista, fuzileiro naval e policial, além de fazer segurança particular. Sabia valorizar o trabalho e não tinha pressa em encerrar o expediente, já que preferia trabalhar até mais tarde. Dizia que era o horário mais tranquilo.
Muito conciliador, seu lema era “tudo pelo social”: se condoía com o sofrimento dos menos favorecidos, ajudava a todos com gestos de bondade e tinha vontade de fazer o bem. Não tolerava maus-tratos a idosos ou animais. Certa vez, estava em Ponta Negra quando uma jiboia de mais ou menos dois metros e meio atravessava a rua lentamente. O inusitado do fato é que ele, mesmo morrendo de medo de cobras, parou o trânsito e impediu que os veículos passassem e a atropelassem, uma tarefa que durou cerca de quarenta minutos.
Marcelo, com sua especial forma de ser, deixou saudades e boas lembranças.
Marcelo nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela esposa de Marcelo, Maiby Ribeiro Santos Martins. Este tributo foi apurado por Ana Helena Alves Franco, editado por Vera Dias, revisado por Débora Spanamberg Wink e moderado por Rayane Urani em 11 de fevereiro de 2022.