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Maria Bernadete de Souza

1960 - 2020

“Ótima, só a Dete”, que além de doces, carregava consigo o mais puro amor e carinho.

“A mãe tá com saudade de você!”, era assim que ela ligava para os irmãos, questionando quando iriam aparecer por lá para visitar a mãe, com quem ela e sua irmã Lucia moravam. No fundo, todos sabiam que, quem na verdade sentia saudades, era ela. A mulher forte e durona, que moveria o mundo, fazendo o que fosse necessário em prol da família.

Dete era carinho, amor e conforto. Era também berros e gritos pela casa, era chata, sim. Queria tudo do jeito dela, porque "Eu sou ótima, 'xuxu'", ela dizia. Todos caiam na risada, porque, de fato, ela era ótima em tudo o que fazia. “Você está quase ótima, mas ainda falta muito pra ficar igual à Dete”, dizia ela. E ninguém, jamais, se igualaria a ela.

Dete também era "uma mala", por assim dizer, mas uma mala especial, com um conteúdo ainda mais único, que fazia dela alguém para se ter ao lado, a todo momento. Porque, definitivamente, ela estaria ao seu lado. Nos momentos de felicidade e nos de dificuldade, Dete cuidaria de quem quer que fosse: família, amigos, vizinhos e seus queridos velhinhos.

"Bete", como seus pacientes a chamavam, tinha paixão pelo que fazia. Cuidando de idosos, demonstrava sua competência, sua responsabilidade e muito amor. Inclusive, durante o período da pandemia, para proteger seus pacientes e sua família, optou pelo uso de transporte por aplicativo, ao invés dos coletivos públicos. Com a mãe já idosa, conversava à distância, mesmo após toda higienização. Dete queria garantir que sua mãe permanecesse saudável e protegida.

Aos domingos, quando a família matava a "saudade da mãe", era quando ela se sentia feliz e realizada, ao redor daqueles que amava. Seu lazer não era sair, ir a certo lugar ou praticar algum hobby; ela, simplesmente, queria estar ali, amando e sendo amada, ainda que aos berros e, com certeza, risadas, bem do jeito dela.

Na cozinha, ficava pouco tempo, o suficiente para pegar sua cerveja gelada na geladeira e beber, enquanto as irmãs e a mãe preparavam o almoço. Dete não tinha muita paciência para o processo de cozinhar, ainda que seus passos fossem tão lentos quanto o corte dos legumes para a refeição.

Dete e Bete era também "Tia Dedé". Um doce de pessoa, literalmente. Amava, cuidava e mimava seus mais de 16 sobrinhos e sobrinhos-netos. Do de quatro ao de 30 anos, ninguém ficava sem um carinho daquela mulher. Para os menores, Dedé era um esconderijo de doces. Seja em sua bolsa ou no seu quarto, escondia balas e chocolates, porque sabia que, em algum momento, um deles iria achar. E assim, saberia que colocara um sorriso no rosto daquela criança.

Tia Dedé era cheia de planos, surpresas e façanhas. Mesmo após sua partida inesperada, deixou planejada sua surpresa final: No aniversário de seu sobrinho Fefê, um presente encomendado chegou — era um trenzinho de artesanato, o favorito dele. Ninguém esperava e lá estava, o presente vindo do Céu, com muito amor.

Seja Bete, Dete ou Tia Dedé, ela era um conjunto de todas as peças boas, que une e dá força. Uma alma pura e honesta; calorosa e presente, seja como mulher, como filha de Dona Alice, como irmã da Ana, do Ba, do Joel, da Lu, da Miriam, da Neia, do Quinho e do Zeca; ou ainda como tia dos seus grandes e pequenos amores. Não importa como fosse, ela seria, simplesmente "Dete, a Ótima".

Maria nasceu em Santos (SP) e faleceu em São Vicente (SP), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Maria, Cleideneia Souza da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Jéssica Morgenia, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 28 de junho de 2020.