1954 - 2020
Uma colecionadora de adjetivos, que, como flores perfumadas, marcou seu jeito de existir.
Maria de Fátima foi uma pessoa marcante como o perfume de uma árvore frondosa e florida. Porque o perfume envolve o ambiente, é sentido por todos os que estão em volta; é um aroma que emana de noite e de dia, e faz muito bem a todos que o sentem.
Um dos fios condutores desta homenagem é o “Livro de Despedidas” disponibilizado por Charles, filho de Maria de Fátima. No livro estão registradas mensagens com depoimentos de familiares, clientes, amigos, parceiros comerciais, vizinhos, sobrinhos, afilhados e do próprio filho, numa demonstração clara de uma personalidade alegre, uma mulher empenhada em ajudar a quem quer que precisasse. Os depoimentos expressam a gratidão dos familiares a Maria de Fátima pela figura agregadora que foi.
A mensagem que abre o livro de despedidas foi escrita pela cunhada Alda e é uma boa síntese:
“Maria de Fátima Bassani, nossa querida tia Fátima, trouxe alegria ao mundo quando nasceu, em 27/12/1954, em Soledade. Viveu quase toda sua vida em Guaporé, onde se casou com Ildo Bassani. Teve os filhos Alex e Charles e a graça de ganhar a netinha Manuela, neta única e queridinha da vovó."
"Fátima não era só mãe", continua a homenagem da cunhada Alda. "Nem era só a filha devotada que cuidou de seus pais. Nem só a esposa, a avó, a irmã, a cunhada, a tia, a amiga... Era nosso esteio, a pessoa que nos acolhia, que não media esforços para agradar a todos. Era a bondade em pessoa."
"Devota de Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Saúde, frequentava a igreja, inspirada na vocação de fazer o bem e servir. Era tão altruísta que muitas vezes nós a chamávamos de Santa Fátima. Para tudo dava um jeito, nem que tivesse de passar a noite em claro, o que aconteceu muitas vezes durante todo o tempo em que se dedicou a cuidar da falecida mãe, Antonieta. E o mesmo cuidado dispensava ao pai, que andava adoentado."
Fátima sempre se lembrava da data de aniversário de todos, não deixava nenhuma data passar em branco. "Ela foi um presente que Deus deu para nossa família", conclui Alda. "Querida Fátima, leva contigo nossa gratidão, admiração e amor.”
Vale destacar alguns detalhes da vida de Maria de Fátima. O primeiro deles é que ela trabalhava como auxiliar de transporte escolar, iniciamente ao lado do esposo Ildo e depois junto com o filho Charles. Durante mais de vinte anos, Fátima viu bebês crescerem, tornarem-se adolescentes e jovens adultos. Seus antigos passageiros viraram adultos e clientes para o transporte de seus filhos.
No dia-a-dia do trabalho, era de uma dedicação absoluta. Sempre disposta, sorrindo, e com um enorme carinho pelos pequenos passageiros. O filho Charles lembra que “não importava como era a criança, ela tratava a todos com igual atenção e cuidado”.
O sobrinho Samuel destaca a importância do trabalho de Maria de Fátima e da família Bassani para a comunidade de Guaporé. “Ela acordava cedo para começar a buscar as crianças que iam para a creche ou para a escola. As pessoas tendem a valorizar outras profissões. Mas para quem é pai como eu é muito importante poder contar com alguém para levar os filhos para a escola. E, mais importante, com o carinho que ela sempre teve por todos durante tanto tempo.”
No trabalho, era a “Tia Fátima da Van”. E os pais das crianças também deixaram suas mensagens no livro que a homenageou.
"Descansa em paz. Você foi uma guerreira, sempre amiga das crianças. Sempre foi uma pessoa incrível, batalhadora. Sempre contagiou as pessoas que estavam ao seu redor com sua alegria. Sempre nos lembraremos de você com um lindo sorriso", diz o depoimento assinado por Beatriz.
No universo familiar não foi diferente. A casa de Maria de Fátima era lugar de acolhimento e afeto. Era a sede das inúmeras festas da família, que contribuíram para manter a turma alegre e unida. Fátima ficava feliz em receber a todos, e nunca faltava nada. A distribuição de presentes para todos no Dia das Mães e Dia dos Pais era tradição. O sobrinho Samuel conta que nessas datas ele sabia que era dia de “ganhar uma meia ou uma cueca da tia Fátima”.
A cunhada Alda lembra com carinho que nunca faltava o telefonema para parabenizá-la pelo aniversário de casamento, que era em fevereiro, mesmo mês da união de Fátima e Ildo.
O filho Alex tem lembranças da epopeia vivida por Fátima quando ele, com 3 anos de idade, teve um problema renal e precisou fazer um longo tratamento. Quase toda semana era preciso ir para a cidade, em um hospital com melhor estrutura, e a incansável Maria de Fátima passou muitas e muitas noites acordada em um banco de hospital.
Com a única neta, Manuela, “o amor era inexplicável em palavras”, recorda Alex. Nos aniversários dela, sempre que Maria de Fátima podia estar presente, a festa começava dias antes. Fazia questão de preparar os salgados servidos na comemoração e invariavelmente virava as noites na produção.
Um outro lugar marcante era a casa da praia da família. A cada verão, os encontros eram certos. Maria de Fátima amava o mar. Enquanto estava na praia, ficava quase todo tempo na água, saboreando o sol, as ondas e a companhia dos familiares, que iam entrando e saindo do mar. As temporadas na praia deixavam Fátima muito feliz e descansada para retomar a rotina em Guaporé.
"É exatamente assim que quero lembrar de você! Sorrindo, feliz!", escreveu a sobrinha Sheila Munerolli no livro de homenagens. "Você foi e sempre será minha tia querida do coração, uma mãe para mim. Todas as vezes em que eu entrar em uma piscina, rio ou mar, tenha certeza: você estará em meus pensamentos."
Fátima foi escolhida como madrinha de muitas sobrinhas. "Que Deus te receba de braços abertos, minha Dinda! Sentiremos muito a tua falta! Obrigado por tudo que fez por mim, vai ficar a saudade!", escreveu a afilhada Nani.
Outra afilhada, Fabiana, deixou seu testemunho: "Você me conheceu ainda bebê, deixava de fazer suas coisas para ficar comigo no colo, depois cuidou de mim na adolescência. Sempre que precisei você estava ali para me ajudar. Muito obrigada por tudo, minha madrinha, um anjo cheio de ternura, paciência e dedicação para com todos."
Uma outra dimensão fundamental na vida de Maria de Fátima foi sua fé religiosa, que era também outro modo de o casal oferecer festas. Muitas ocorreram no povoado de Colomba, situado na região da colônia gaúcha. "Colônia" é a forma como os sulinos se referem à zona rural, onde homens e mulheres lidam cotidianamente com a terra e a criação de animais. No caso de Colomba, plantação de milho, soja e feijão. Nas capelas e igrejas da região acontecem festas de Santo Antônio e Nossa Senhora, e ela organizava tudo. Preparava os ingressos, viabilizava sua distribuição entre os participantes, buscava doações de alimentos para o almoço comunitário e organizava as celebrações e orações. Nos dias de festa, lá estavam ela e seu Ildo, contentes por verem tudo acontecer.
Maria de Fátima colecionou muitos adjetivos e imagens. Palavras que são memória e que aqui, colecionadas, fazem parte desse retrato: querida, esteio, santa, dedicada, humana, altruísta, solidária, guerreira, batalhadora, alegre, alto astral, sorridente, grande mulher, bravura, fortaleza, carinhosa, sabedoria, anjo de ternura, dedicada, coração do tamanho do mundo, calma, paciência sem medida.
Em meio a tantas lembranças, tanto amor e tanta saudade o filho Charles sabe que contará com a ajuda da mãe para seguir adiante.
Maria nasceu em Soledade (RS) e faleceu em Guaporé (RS), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo sobrinho de Maria, Samuel Muneroli. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 21 de julho de 2021.