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Maria de Fatima Eduardo Nunes

1964 - 2020

Solidária e dotada de grande empatia, foi uma mulher de fé, amiga de todas as criaturas e seu Criador.

Maria teve de se despedir da mãe muito jovem, aos 17 anos. Alguns anos depois, grávida da filha, viu-se dando adeus também ao pai. As desventuras pelas quais passou fizeram florescer ainda mais o coração abnegado que possuía. Renunciava às próprias vontades em função de outros – fossem pessoas ou animais.

E foi esta a marca que deixou no mundo. De uma mulher que doava de si para suprir o próximo. Ao se deparar principalmente com cães em situação de rua, sua atitude imediata era prover alimento e agasalho. Nunca passava adiante sem se sensibilizar e agir em favor dos animais.

Um episódio que retrata bem o espírito solidário de Maria é contado pela caçula Louise: “Tenho centenas de dias marcantes com ela na memória, mas um que se passa sempre em minha mente foi um dia em que eu, ela e meu irmão estávamos saindo da missa. Bem próximo à igreja havia uma rotatória e, no meio dela, um morador de rua sentado, comendo carne crua de um saco preto cheio de moscas ao redor... Assim que viu a cena, ela começou a chorar muito e pediu ajuda ao meu irmão para tirar o homem dali e colocá-lo na calçada. Depois de conversar com ele, disse que ia buscar comida e já voltava. Fomos para casa e ela fez um almoço, separou em uma vasilha e foi até lá levar para ele, junto com coberta, roupas etc. Depois, por vários dias procurou por ele na região e não o encontrou mais. Essa história retrata bem a pessoa de bom coração que ela foi!”

Maria tinha esse amor desmedido também por suas plantas: chegava a conversar com elas, contando as novidades. A empatia se estendia a qualquer pessoa que a rodeasse: caso estivesse ao seu alcance, ajudava sem pensar duas vezes. A capacidade de sentir a dor do outro tinha raízes na enorme fé que cultivava. Devota de Nossa Senhora, entregou sua vida e a da família à confiança inabalável que depositava no Divino. Louise, que tem sonhos com a mãe lhe dizendo o quanto é preciso se apegar a Deus, afirma: “Tenho certeza de que, se existe um céu, hoje ela intercede por nós aqui”.

Foram vinte e cinco anos de parceria com o esposo Edson; Gustavo e Louise foram os frutos dessa união. Apesar dos dois filhos pequenos e de idades próximas, Maria sempre esteve ativa no sustento da casa. Era um atributo dela: não rejeitava trabalho, mesmo que fosse pesado. Terminou a carreira como agente de combate a endemias, percorrendo as ruas da cidade embaixo de chuva e sol.

Mãe amiga e carinhosa, sonhava ver os filhos formados e com a vida encaminhada. Durante as crises de ansiedade e síndrome do pânico enfrentadas pela filha, virou noites acordada, acalmando-a com conversas, ainda que essas madrugadas em claro lhe pesassem durante o dia de trabalho. Maria, porém, não era de medir esforços – seu motivo de existir era fazer a diferença!

Maria nasceu em São José dos Campos (SP) e faleceu em São José dos Campos (SP), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Louise Nunes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Júllia Cássia, revisado por Paola Mariz e moderado por Lígia Franzin em 7 de abril de 2021.