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Maria de Lourdes Avelino Santos

1969 - 2021

Defendia que mulher é o que ela quiser ser. Em seu caso, o que mais quis, foi ser mãe.

A mãe da Nathi, da Line e da Malu definia plenamente a máxima "Não deixe que as pessoas te façam desistir daquilo que você mais quer na vida. Acredite, lute, conquiste e, acima de tudo, seja feliz".

Então, para contar um pouco da história de Lurdinha ou Maria, devemos voltar para o ano de 1988, quando o que ela mais quis como mulher tornou-se realidade pela primeira vez com o nascimento da primeira filha, a Nathi.

A primogênita herdou os traços, a semelhança física da mãe. Foi uma gravidez com complicações por causa da eclâmpsia e Lurdinha chegou a pedir ao médico que se preocupasse apenas em salvar sua bebê ─ esse foi o primeiro gesto de amor materno de um milhão de outros que estavam por vir.

A segunda filha foi Aline, que herdou o jeito amoroso e sereno da mãe. "Era muita troca de amor e carinho. Ela dizia que eu era o seu oxigênio, e eu dizia que, de uma forma inexplicável, ela unia todas as coisas. Gostávamos de dormir de conchinha", conta Aline.

Finalmente veio a Malu, a caçulinha. "Ela era a parceira da vida de mainha, pois eu e Nathi nos mudamos pra Salvador e ela continuou morando em casa. Eram unha e carne, conversavam feito melhores amigas", revela Aline. Malu escolheu seguir a profissão que era o sonho de sua mãe e vai se tornar bacharel em Direito.

As três filhas de Maria aprenderam que a família vem em primeiro lugar, que a generosidade é o combustível da vida e que sem amor você não é nada. A filha Nathi tem feito a diferença na vida das irmãs após a partida de Maria. Ela tem resgatado toda a fé e religiosidade que foram tão presentes durante a vida da amada mãe. Todas mantiveram os encontros virtuais semanais que tinham com a mãe em um grupo de aplicativo de mensagens que nomearam de "Minha Vida".

E, para os que dizem que avó é mãe com açúcar, deve ser unanimidade pensar que ela seria muito mais que isso. Seria uma avó daquelas regadas a leite condensado, e muito, muito doce! Sonhava tanto em ser avó que certa vez comentou durante um passeio no shopping que se tivesse dinheiro iria comprar várias roupinhas, pois, se morresse antes de ser avó, pelo menos deixaria algo para os netos e netas. "Ela quase teve um troço quando uma vez recebeu a ligação de uma das filhas que queria falar algo sério: naquele momento ela estava convicta que receberia a notícia tão esperada. Ficou frustrada quando soube que era outra coisa", relembra a filha sorrindo e ciente que a mãe deixou um legado muito maior, que não tem preço e que, certamente, será transmitido para netos, bisnetos...

"Ela estava feliz e curtindo sua melhor fase. Tinha feito dieta e estava magrinha, toda contente com o novo corpo e com uma fé ainda maior", comenta Malu.

As filhas levaram-na para conhecer o DJ Alok. A sortuda ainda teve o prazer de ser convidada por ele para assistir ao show, com nome na lista e tudo! Foi uma experiência incrível curtir o ídolo que tanto amava ao lado das filhas. "Ela disse que tinha sido a melhor noite da vida dela, que foi inesquecível aquele momento", afirma a filha Aline

O amor maternal de Lurdinha estendia-se também aos genros, numa relação gostosa de se ver e... "mais gostosa ainda de sentir", diriam eles. A mulher que era só amor tinha espaço de sobra no coração, confortavelmente abrigava nele os gatinhos que teve durante a vida: Pitchula, Cara Pintada, Lua, Negresco... e, por últimos, Bela e Thiaguinho, que dormiam com ela na cama e que, tratados como filhos, eram muito dengosos e mimados. Um grude só!

Ainda falando de amor e de família, a irmã mais velha de Lurdinha, chamada carinhosamente de Bada, foi uma verdadeira mãe para ela, pois Dona Lourdes (a matriarca) partiu quando a caçula entre os filhos de Jan e Lu contava apenas 15 anos. Foi com todo carinho que Bada cuidou e soube transmitir "amor de mãe" em todas as fases da vida da irmã.

O irmão Gelzo sempre foi o responsável pela veia artística da família: o poeta. Seus poemas eram também uma forma de carinho entre irmãos e Lurdinha sabia apreciar e valorizar o dom, tanto que, em uma das últimas conversas entre eles, ela pediu ao irmão que gravasse um vídeo dizendo que a amava. Além de gravar a declaração de amor ele ainda completou: "Maninha, não somos apenas irmãos! Estávamos escrito nas estrelas!"

Beto e Chico completam o quinteto. Os irmãos compartilhavam mensagens e áudios diariamente, encurtando a distância e fazendo presença. Quando todos se reencontravam em Recife era a maior "bagunça organizada", conta Aline. "Não faltavam sobrinhos, e era certo que teria um cafezinho ou coca, com coxinha do McTonho e pipoca queimada. Essa lembrança tem sabor de saudade", complementa.

Lurdinha se reunia quase diariamente com as amigas do condomínio. Levou sua fé para esse meio também, inventou logo de fazer o "Evangelho no lar" todas as quartas-feiras e sentia enorme prazer em cozinhar aos finais de semana para receber as amigas em casa. Andava sempre muito bem arrumada, parecendo até que ia sair e todos comentavam como o seu perfume era marcante, assim como seu batom vermelho ─ que usava até no dia do Evangelho no lar.

Durante a vida, foi católica praticante, espírita e, por último, estava na umbanda. Amava uma festa cigana e colocar seu vestido longo e vermelho. "No início, achei que ela estivesse tentando se encontrar em alguma religião, mas depois percebi que ela era isso tudo mesmo: universalista, sem preconceitos e com a fé sempre acesa", relata Aline.

É fato que as três filhas são bem diferentes umas das outras, mas são unidas por um amor único; pois desde que a maternidade se tornou uma realidade para Lurdinha, ela foi tudo para as meninas. Ela foi amor, união, fé, mãe, amiga, irmã, guerreira e, acima de tudo, dona de uma sensibilidade que inspira.

"Deixou-nos com uma saudade dilacerante, mas acendeu uma esperança de sempre encontrá-la nas nossas mais lindas ações. Mãe, agora somos nós que te dizemos: Que Deus te abençoe e Nossa Senhora te cubra com Seu Manto Sagrado", conclui a filha Aline em nome das irmãs.

Maria nasceu no Recife (PE) e faleceu em Aracaju (SE), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas filhas de Maria, Aline Avelino Santos e Malu. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 18 de junho de 2021.