1936 - 2020
Dona Bi fazia crochê, gostava de futebol e ouvia moda de viola todos os dias de manhã no rádio.
─ Bença, mãe.
─ Deus te abençoe, meu filho.
Era sempre isso que se ouvia quando os filhos chegavam à casa de Maria do Carmo, mais conhecida como dona Bi ─ era a bênção da mãe, que intermedeia a bênção de Deus. A mãe que está entre o divino e terreno, que desvenda os mistérios, que protege e que é o portal para o mundo.
"Certa vez, quando Roberto, meu marido, era criança, ganhou de presente de Natal uma bola de capotão, vermelha e preta. Os olhos brilharam. Ela, toda feliz, reuniu a criançada e foram para o campinho do bairro. Pouco depois, a malandragem da redondeza tomou a bola da meninada e disse que as crianças não poderiam brincar ali. Dona Bi, que não gostava de injustiça e não deixava barato, foi até o chefe da rapaziada e pediu para devolver a bola", conta a nora Erika.
Dona Bi enfrentou sem medo e ensinou aos pequenos que ninguém deve se calar diante da injustiça. Assim, ensinou-os a ter coragem e a não se calar quando se tem razão. Cuidou deles como uma mãe zelosa, que fazia questão de levá-los à escola e de participar das reuniões e festividades. Tinha orgulho dos filhos que deixou para o mundo: honestos, trabalhadores, responsáveis e humildes. "Qualidades que certamente só foram possíveis pela força e determinação dela para que 'andassem na linha'. Talvez esse seja um dos maiores desafios: deixar bons filhos para o mundo. E ela venceu brilhantemente", afirma Erika.
Ela fazia crochê com capricho, canudinhos para festas, pintava panos de prato, fazia tapetes e presenteava com o coração. Recebia cada anúncio de gravidez na família com alegria e empolgação. "Quando eu estava esperando minhas meninas, aventurava-me ao lado dela na máquina de costura. Era aquela Singer antiga, e nas tardes de verão, pacientemente, costurava o enxoval para as netas", relembra Erika.
Estava sempre disposta a oferecer uma palavra amiga, de conforto, generosidade e perdão. Ajudou filhos, netos e bisnetos guiando e iluminando seus caminhos.
Adorava futebol. Seu time do coração era o Palmeiras. Assistia aos jogos e torcia fortemente. Jogo da seleção então, “aguenta coração”.
Dizia que os vizinhos eram muito importantes, pois "podem nos socorrer" numa hora de aperto. Era de um tempo diferente, em que os portões nunca ficavam trancados, em que as pessoas eram bem-vindas a qualquer hora, que as visitas nunca precisavam avisar que chegariam. Amizade, solidariedade e convivência.
"Certa vez, sobre casamento, ela me disse que acreditava mais na convivência do que no amor. Na época estranhei, mas hoje compreendo" diz a nora e conclui: "talvez nessa sabedoria da vida simples, houvesse muita verdade, muita experiência."
Quando as netas ficavam em sua casa, dona Bi gostava de inventar moda: dava banho nas crianças no tanque, deixava que tomassem chuva, escorregassem no quintal, faziam bolinhos de chuva, pastéis e tantas outras delícias que construíram a memória afetiva ─ o sabor e o cheiro de infância de cada neta. "Estas lembranças tão importantes, constroem a identidade: nossas raízes profundas perfumadas de amor. É neste espaço-tempo que construímos o elo entre as gerações. É o passado e o futuro entrelaçados, inaugurando o presente. Um tempo cheio de alegria, cantoria, conversas e histórias", afirma a nora e mãe das meninas.
Bem cedinho, ela ouvia modas de viola na rádio USP, gostava também do programa Revoredo, do amigo de Erika, Zé Gustavo. Assistia às novelas e dormia cedo.
Adorava dançar. Nas suas bodas de ouro, a nora incentivou que o sr. Hélio dançasse com a esposa e, pela primeira vez, dançaram juntos em comemoração aos cinquenta anos de união. Divertiram-se muito e ficaram orgulhosos da família linda que construíram.
Após dezoito dias do falecimento da esposa, o sr. Hélio também partiu, talvez tenham tido a oportunidade de dançarem e se divertirem novamente juntos na eternidade, mas o que é certeza é que ambos tiveram orgulho da família que juntos construíram.
Dona Bi despede-se desta vida deixando seu legado de luta. "Nosso sentimento é de gratidão, reconhecimento e certeza que estará amparada nos braços do Pai", finaliza a nora em nome de todos.
A história do marido e parceiro de vida de dona Bi também está guardada neste memorial e você pode conhecê-la ao procurar por Hélio Francisco da Silva.
Maria nasceu em Ribeirão Preto (SP) e faleceu em Ribeirão Preto (SP), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela nora de Maria, Erika de Andrade Silva. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 15 de fevereiro de 2021.