1938 - 2020
Filomena foi uma tecelã de esperança, costurando a trama da vida com fios de coragem e pontos de determinação
Nas linhas da história, às vezes encontramos pessoas que se destacam por sua força, coragem e determinação. Maria Filomena, uma alma delicada e destemida, é um desses exemplos que inspiram e emocionam. Sua trajetória de vida é um testemunho vivo de superação e dedicação, um verdadeiro hino à resiliência humana.
Nascida em uma família de 10 irmãos, Maria Filomena era a mais velha de três Marias. Ainda jovem, revelava uma personalidade singular. Diferente das outras crianças, Filomena não encontrava prazer nas tarefas típicas do campo. Ela desejava algo além dos afazeres rústicos do local em que nasceu, a Fazenda Taboca, localizada na zona rural do município mineiro de Carmo do Paranaíba. Desde cedo, Filomena sonhava com a delicadeza dos bordados e a graça das costuras. Quando ainda criança, ganhou um tear, e tecer roupas para seus pais e irmãos se tornou uma de suas atividades favoritas. Mais tarde, com seu espírito independente, aos 15 anos, expressou seu desejo de buscar aperfeiçoamento na cidade.
Apesar da simplicidade, era uma preocupação de seu pai que os filhos pudessem estudar, aprender a ler e a escrever. Quando Maria Filomena deixou a segurança do lar e partiu em direção a Carmo do Paranaíba, sob os cuidados de seu avô materno, João Francisco, ela mergulhou no mundo da costura. Cada ponto, cada detalhe, refletia a paixão que transbordava de seus dedos talentosos. Ela logo se tornou uma costureira excepcional.
Mas enquanto Maria Filomena trilhava seu caminho, seu pai sucumbia ao vício do álcool, desencadeando uma série de conflitos e violências. Quando sua mãe se separou do pai alcoólatra e mudou-se para Arapuá, Maria Filomena se juntou a ela. Filomena sofreu com a separação dos pais, com a violência doméstica vivida por sua mãe e com a perda de tudo o que ela, sua mãe e seus irmãos tinham direito. Seu pai, agora um alcoólatra violento, tentou, sem sucesso, tomar a guarda das filhas. Ali, a família se viu obrigada a recomeçar do zero.
Em uma época em que as mulheres contavam com poucas oportunidades, sua agulha e linha tornaram-se instrumentos de criação tecendo não apenas roupas, mas também esperança e dignidade. Maria Filomena encontrou força para apoiar sua mãe. Cada ponto cuidadosamente dado era uma afirmação de sua identidade, uma rejeição silenciosa às limitações impostas pelo mundo em que vivia. Mas as cartinhas de um apaixonado Antônio, que em 1961 escrevia “ao meu amor, a senhorita Maria Filomena”, ou o relato de um desesperado Jonas, que um ano depois, confessava estar “com o coração cheio de saudade” e implorava por uma resposta, mostram que Maria Filomena também encantou e não deixou de ter seus admiradores.
No entanto, os desafios de sua vida estavam apenas começando. O futuro daquela família de agricultores não estava em Minas Gerais. Logo sua família se mudou para os confins de Goiás, onde a esperança florescia em meio às terras férteis. Ao se mudar, Maria Filomena rapidamente enfrentou a dor do desenraizamento e o falecimento precoce de um de seus irmãos, Valdivino. Mesmo quando a dor era forte demais, Maria Filomena encontrava refúgio em seu trabalho. Sua fama se espalhou rapidamente e ela logo se tornou uma referência na recém fundada Hidrolina, costurando roupas para homens e mulheres. Seu nome se tornou sinônimo de perfeição, e sua modesta casa era frequentada por pessoas de todas as classes e camadas sociais, em busca de seus excelentes serviços. Sua vida em Goiás ganhou forma. Ela nunca mais retornaria à Minas Gerais.
Mais tarde, seu casamento com Otávio, um homem simples, porém trabalhador e honesto, trouxe mais alegria à sua vida. Com Maria Filomena costurando até altas horas e Otávio realizando trabalhos braçais na prefeitura de Hidrolina, o casal criou quatro filhos: Paulo, Aparecida, Abadia e Divina, que recebeu seu nome em homenagem a Valdivino.
Mas, novamente, a vida daquela família tomaria um rumo inesperado.
Otávio adoeceu. Em menos de seis meses, Maria Filomena se viu na mesma situação que sua mãe enfrentou no passado: ela estava sozinha. Otávio lutou, resistiu e trabalhou enquanto pôde.
Quando ficou viúva, Maria Filomena mostrou novamente seu espírito guerreiro, assumindo as responsabilidades para seguir em frente. Ela precisava ser o homem e a mulher da casa. Mas a boa educação que ela e Otávio deram aos filhos rendeu seus primeiros frutos, e suas filhas se tornaram uma poderosa fonte de força e apoio.
A religião também foi uma forte rede de sustentação para Maria Filomena. Sua participação na Legião de Maria da Igreja Católica lhe dava forças para continuar. Ela se reunia para fazer orações, e receber a imagem de Nossa Senhora em sua casa era sempre uma ocasião especial. As novenas também foram parte fundamental de sua vida. Seus dons para costura, bordado e crochê jamais foram deixados de lado, e Maria Filomena nunca deixou de costurar e participar dos projetos de artesanato que aconteciam na cidade. Quando sofreu um acidente doméstico e passou um ano sem andar, foi participando do Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria que reuniu forças para não desistir. Quando se recuperou, além de continuar com suas orações, a mobilidade permitiu que participasse de uma maneira ainda mais intensa das tradições religiosas de sua comunidade. Não deixava de estar nas Romarias de Nossa Senhora da Penha, em Guarinos, ou da Romaria de Nossa Senhora da Abadia do Muquém. A visita ao Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, também era um importante compromisso. Neste momento, agora uma senhora, Maria Filomena continuou sem medir esforços para estar presente às comemorações religiosas de sua igreja. Seu último pedido, antes de ser intubada, foi que orassem por ela.
Maria Filomena foi, em todos os momentos, parte importante da vida de todos os seus filhos e netos. Era ela quem realmente mantinha a família unida. Não há um só dia em que ela não seja lembrada e admirada. Foi uma mulher forte, corajosa e amada. Maria Filomena não é um número. Maria Filomena é a origem de uma família composta por pessoas honradas e honestas, e continuará sendo fonte de inspiração para todos que vierem nas gerações futuras. A História é testemunha de sua força e não se esquecerá. E este é o relato que deixamos para a posteridade.
Maria Filomena da Silva é filha de Isolina Maria de Jesus e João Franklin Manoel.
Casou-se com Otávio Emiliano da Silva.
Seus filhos são Paulo Emiliano da Silva, Aparecida Maria da Silva, Abadia Maria da Silva e Divina Maria da Silva.
Seus netos são Ronildo Junior da Silva Guimarães, Thays Silva Lima, Rômulo Godoi da Silva, Sara Silva Araújo e Ester Silva Araújo.
Sua bisneta é Eloah Marcolino Lima.
Maria Filomena da Silva nasceu em Arapuá (MG) em 15 de abril de 1938 e faleceu em um hospital de campanha em Águas Lindas, em Goiás, em 12 de agosto de 2020, vítima do novo coronavírus.
Este tributo foi escrito a partir de valiosas informações fornecidas pela irmã de Maria Filomena, Maria Geralda, e por Aparecida Maria da Silva, filha de Maria Filomena.
Maria nasceu Arapuá (MG) e faleceu Águas Lindas (GO), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido peIa irmã e pela filha de Maria, Maria Geralda e Aparecida Maria da Silva. Este texto foi apurado e escrito por Rômulo Godoi da Silva, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 14 de abril de 2024.