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Maria Ivone Pianez

1949 - 2020

Em seu dicionário não existia a palavra "desistir", tinha a força da fé e a doçura do amor em seu coração.

Carta aberta escrita pela filha Márcia e pelo filho Márcio à mãe, Dona Maria Ivone.

Sinônimo de garra. Essa era minha mãe. Mulher guerreira, ativa, que nunca soube o significado da palavra desistir. Dona de uma fibra incrível, soube superar todos os obstáculos da vida com bravura.

Cozinheira invejável, doces eram sua especialidade. Com extrema doçura e paciência, dedicou aos quatro netos, todo seu conhecimento e tempo. Era mãe não somente dos três filhos, mas de todos os que se aproximavam. Tinha tempo para todos. Foi extremamente generosa.

Suportava suas dores físicas e psicológicas com bravura, jamais perdendo seu jeito meigo de ser. Ao amor de sua vida, meu pai (Valter Frederico), dedicou o melhor de si, durante 50 anos.

Falar de você é fácil, é falar de amor, de carinho, de conselhos, de risadas, companheirismo, respeito, dedicação, lealdade, cumplicidade, festa e alegria!

Mãe... Com você aprendi a ser casca grossa, não deixar ninguém tirar farinha comigo. Aprendi também que a vida pode ser doce como seu bolo prestígio, ou de pêssego, seu quindim... Como sua doçura!

Aprendi que com todas as dificuldades físicas, com dores, quase não conseguindo andar... Nada tirava sua fé, sua religiosidade, sua vontade de ajudar o próximo, a alegria de estar com os netos, reunir a família, fazer festa!

Falando em festa! Que linda a festa em comemoração a Bodas de Ouro de vocês! Foi como a senhora queria né mãe... Com flores brancas e amarelas, com todos os amigos e família reunida! Regada de comida boa e champanhe! Como vocês estavam felizes! Vocês estavam lindos, posando abraçadinhos com todo mundo! Pareciam que estavam se despedindo em grande estilo!

Enfim... Obrigado por permitirem viver uma vida ao lado de vocês, obrigado por cada beijo, cada almoço, cada ensinamento!

Hoje tenho certeza que o céu está pequeno para a festa que está acontecendo por lá. O Marcelo deve estar muito feliz com vocês por perto.

Sr. Valter e Dona Ivone, é hora de descansar. Fiquem tranquilos, aqui eu, a Jú, a Márcia e o Ronaldo estamos cuidando de tudo e de todos. Vamos chorar sim, vamos sentir saudades sim, ficaremos com os corações dilacerados por muito tempo sim...mas com a certeza que fizemos tudo que poderia ser feito e que a vontade do Nosso Deus sempre prevalece! Só peço que aí de cima cuide da gente! Guie nossos passos e nos livre das armadilhas da vida.

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Falando de nosso pai e nossa mãe...

Domingo: esse era o dia preferido de nossos pais. Desde crianças, a mesa da sala de jantar era o nosso ponto de encontro todos os dias à noite para a refeição. Mas, o domingo era especial. Em volta da mesa, tudo era compartilhado. Não havia assunto proibido.

Fomos aprendendo ao redor da mesa, que nossos pais eram ainda muito jovens, quando se conheceram em um baile. O jovem educado e galanteador, ganhou o coração da jovem tímida de olhos castanhos esverdeados e cabelos lisos. Foi amor à primeira vista e, pouco tempo depois, já estavam casados.

A vontade de constituir família era tanta, que o primeiro filho chegou, antes mesmo, do primeiro ano de casamento. A família cresceu ainda mais e, passados sete anos de casados, estavam com três filhos.

A vida não era nada fácil. Nosso pai saía para o trabalho sem hora para voltar e nossa mãe cuidava de tudo e de todos sozinha. Apesar das dificuldades, o esforço de cada um, era sempre recompensado com o sorriso e o amor do outro ao final do dia. Apesar do cansaço, todos estavam à mesa na hora do jantar. Era o momento de falarmos sobre as alegrias, as tristezas, as conquistas, os fracassos, enfim, era o momento de dialogar.

E assim, com muito diálogo, fomos crescendo. Nunca houve um tapa sequer.
Nosso pai era a pessoa mais paciente do mundo. Para ele, tudo podia ser resolvido sem conflitos. Nossa mãe, apesar de parecer muito séria, era sinônimo de doçura e dedicação maternal: tudo que realizava, era para os filhos.

Crescemos testemunhando o amor de nossos pais. Sempre foi uma relação de muito respeito e companheirismo. Não havia local que um estivesse sem o outro. Na Igreja, local sagrado que frequentávamos todos os domingos juntos, eles eram membros ativos da Pastoral da Família.

O exemplo de casal que tínhamos dentro de casa nos despertou para o desejo da nossa própria família. Assim, nos casamos e também buscamos por nossos caminhos, apesar do encontro semanal ao redor da mesa acontecer todos os domingos, agora com a presença das noras e genro.

Mas, acreditamos que a chegada dos quatro netos (3 netos em apenas 10 meses) e, depois de quase 10 anos mais uma netinha, foi o ápice da vida de nossos pais. Não houve no mundo, dedicação maior. Tudo o que pensavam, falavam, faziam e compravam era para os netos. Brincavam durante horas no quintal. Conseguiam transformar-se em crianças novamente. O pai e a mãe que já eram dedicados, eram agora vovô e vovó sem comparação. Têm pelos netos, um amor incondicional.

Entretanto, nessa história, nem tudo são flores! Há 7 anos, nossa mãe ficou muito fragilizada com a morte do filho mais velho, morto em decorrência de um latrocínio. Desenvolveu fibromialgia e uma grande dificuldade de locomoção. Muito guerreira e de fé extrema, superou uma depressão profunda e nunca aceitou um andador, utilizando apenas uma simples bengala.

Foi então, que nosso pai provou o amor que sentia por nossa mãe e passou a ser o seu maior admirador. Já aposentados, ele nunca a deixava sozinha. Ajudava em todas as tarefas domésticas e a levava em todos os lugares que queria.

Adoravam ir para a praia, apenas para ver e ouvir o mar. Gostavam sempre de refazer a viagem de lua de mel em Poços de Caldas e, até mesmo visitar as Cataratas do Iguaçu, com toda dificuldade de locomoção, nossa mãe foi, sempre amparada por nosso pai. Não havia lugar que ela não pudesse ir. Ele sempre dava um jeito de levá-la.

Enfim, nossa mãe era doce como seus bolos e nosso pai, sereno como uma brisa. Uma relação linda, firmada na fé, que durou 50 anos e foi comemorada no final de 2019 com uma bonita festa. Festa essa, que era o sonho dos dois. Famílias reunidas, filhos presentes, cerimônia religiosa e netos prestando homenagens e mais homenagens.

Dentre os vários momentos emocionantes da comemoração das Bodas de Ouro, podemos destacar a homenagem de nossos pais ao filho falecido e com certeza, um momento mais do que especial, foi a entrada da neta mais nova (3 anos), como daminha levando as alianças, ao som do violino tocando Ave Maria. Fizemos surpresa desse momento para meus pais e foi extremamente emocionante para eles, levando muitos convidados às lágrimas também.
Para nós, os filhos, esse momento foi mágico.

Era simplesmente, a renovação de tudo o que vivemos durante uma vida inteira. E, na mesa da sala de jantar, durante vários domingos seguintes à festa, pudemos aproveitar da alegria deles por viverem tão intensamente esse amor. E o amor era tanto, mas tanto, que decidiram que ficariam juntos eternamente.

Nossa eterna gratidão!

Márcia Frederico Toledo

Márcio Frederico

Dezembro/2020

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Esta é uma história de casal. Para conhecer a história do esposo de Maria Ivone, busque por Valter Frederico.

Maria nasceu em Jacutinga (MG) e faleceu em Campinas (SP), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelos filhos de Maria, Márcia Frederico de Toledo e Márcio Frederico. Este tributo foi apurado por -, editado por Ana Macarini, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 19 de dezembro de 2020.