Sobre o Inumeráveis

Maria Joana Dias Villares

1959 - 2020

Ligava para os filhos ao amanhecer e ao anoitecer para abençoa-los.

A doçura e o sorriso fácil de Joana eram a prova de que ela havia superado a história de abandono aos cinco anos de idade, no orfanato do presídio de Belo Horizonte. A adoção informal que, aos sete anos de idade, fez dela empregada doméstica da família, sem direito nem ao menos de frequentar a escola na frente da casa também ficou para trás.

O incentivo aos estudos dos filhos e o acolhimento dos seus amigos na época do colégio, “fazendo o melhor lanche e sendo a mãezona de todo mundo”, conforme relata a filha foram a força motriz para Joana seguir em frente.

A filha Cátia lembra a gargalhada espontânea da mãe advinda de pequenos diálogos ou perguntas indiscretas que os filhos, depois de adultos, faziam ao redor da mesa, ou mesmo dos trotes que recebia do sobrinho Marcos em seu telefone fixo.

“Ela tinha o modo certo de estender as roupas no varal, de fazer o vinco nas calças sociais e, de modo singular, limpar toda a nossa casa com tanto carinho”, conta a filha Cátia ao descrever o cuidado que Joana tinha com a casa e principalmente com os filhos.

A mãe cuidadosa, amiga e confidente que foi Joana, ensinando aos seis filhos a divindade do amor, demonstram sua transcendência em relação ao desamor sofrido com a expulsão de casa após o nascimento da primeira filha, fruto de uma gravidez aos 16 anos, tendo que fazer sua morada em uma Kombi abandonada nas imediações do bairro Santa Teresa de Belo Horizonte.

Os deliciosos almoços de domingo que cozinhava para toda a família com risoto de camarão ou o cafezinho calorosamente preparado antes de todos irem às suas rotinas de trabalho e estudo caracterizam a elaboração da escassez de quando tinha que trabalhar em troca de refeição, banho e um litro de leite para sustentar a filha pequena.

Aos 23 anos, finalmente, após conhecer seu marido Paulo Roberto, Joana foi registrada, teve sua certidão de nascimento e seu reconhecimento como cidadã.

Contava aos filhos Leila, Leonardo, Cátia, Eduardo, Carla e Paula as dificuldades que, com coragem, havia enfrentado, mostrando que “as histórias de superação eram as mais lindas”. “O que fica é a certeza de que ela nos ensinou a trilhar caminhos sem medo de fraquejar, pois era forte e feliz”, orgulha-se Cátia.

E aos netos Luiz Eduardo e Isadora Liz, demonstrava afetuosamente que vovó era "cuidado, manha e chamego", repetindo que “cheirinho de pé de neto é delicioso e comidinha de avó é o que a criança gosta”, relembra Cátia.

A gargalhada de Joana, ou Preta para os amigos, ainda ecoa na memória de quem a amou, o perfume às vezes enjoativo que ela usava todas as manhãs hoje faz falta, as mensagens de bom-dia e boa-noite ou as ligações em dias chuvosos aos filhos ainda são aguardadas, os gritos dos nomes compostos dos filhos quando precisava de algo rápido foram substituídos pelo triste vazio do silêncio, o cuidado do jeito que só ela sabia ofertar todo tempo e toda hora deixam uma imensa saudade, mas também uma enorme gratidão.

Maria nasceu em Jequitaí (MG) e faleceu em Sete Lagoas (MG), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Maria, Cátia Regina Dias Villares de Paula. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Denise Stefanoni, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 24 de junho de 2021.