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Maria José Silva de Oliveira

1946 - 2020

Passava horas ao telefone com as irmãs, queria saber das frutas no pé, do igarapé e até o que elas iriam comer.

Ganhou o apelido de “Ia” do filho Dilson que, quando pequeno, queria falar Maria, mas não dava conta, só conseguia falar “Iaaaaaaaaaa”, o apelido pegou; todos passaram a chamá-la dessa forma carinhosa criada pelo pequeno.

Ela era apaixonada por sua cidade natal, Maracanã, não podia ir com a frequência que gostaria, pois tinha limitações físicas, causadas pelo diabetes. Quando dava certo de acontecer a viagem, ela vibrava; esses passeios eram, sem sombra de dúvida, as maiores alegrias de sua vida.

Quando não dava, Maria José dava seu jeito de resolver a saudade pelo telefone; eram conversas intermináveis com as irmãs querendo notícias de um e de outro ─ parentes, amigos e conhecidos ─, também perguntava se estava muito quente, se tinha chovido, que frutas tinham dado nos pés, queria saber do igarapé no quintal da casa, até o que eles iam comer naquele dia, ela queria saber.

Em sua imaginação, pura como a de uma criança, ouvia os relatos do outro lado da linha e formava as imagens na mente, era seu jeitinho de amenizar a falta que sentia dos seus, de suas raízes.

Os cafés da tarde em companhia de todos os netos eram outra grande alegria para Maria José. Nessas ocasiões, ela caprichava nos quitutes; passava as tardes contando histórias, pedindo detalhes de vida de cada um, sem se esquecer de nenhum; dava também umas boas broncas quando eram necessárias, assim como uma avó de qualidade deve fazer; mas, sobretudo, dava verdadeiras aulas de afeto e alegria de viver.

No caso de os encontros físicos com os netos não serem possíveis, ela tratava de mandar áudios pelo aplicativo, eram áudios longos, por meio dos quais ela, tanto dava notícias, quanto as pedia e, também, aconselhava, cuidava e protegia. Mesmo já estando internada, Maria José mandou um áudio para a neta, Stefanie, perguntando de sua filha, Léia: "Minha filha, como está sua mãe? Disseram que estava mal, com febre", ao que Stefanie respondeu: "Vó, tá melhorando, preocupe-se apenas com a senhora”.

"E disse que não via a hora de nos reunirmos de novo, uma pena que não deu tempo, mas nos restam muitas memórias boas. As reuniões nunca mais serão as mesmas sem suas histórias de Maracanã, dos parentes, dos conhecidos e até dos desconhecidos, porque as histórias do interior nunca acabavam e quando ouvíamos mais de uma vez, era como se fosse a primeira", finaliza Stefanie.

Maria nasceu em Maracanã (PA) e faleceu em Marituba (PA), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Stefanie Falcão. Este tributo foi apurado por Larissa Paludo, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 16 de dezembro de 2020.