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Maria Klettemberg Boing

1935 - 2020

Foi rica e feliz com muito pouco. Presenteava os netos com terços e sempre tinha um pacotinho de bala de coco.

Maria viveu muito e muito bem. “Sua optuagésima quinta velinha foi soprada no hospital, perto de humanos e fantásticos profissionais de saúde, que fizeram tudo para que a data não passasse em branco”, conta a neta Fernanda.

Ela prossegue, trazendo lembranças de sua querida avó. “Fecho os olhos e ainda escuto: 'Nanda, vem cá', 'Nanda, coloca na Canção Nova', 'Nanda, fica com Deus', 'Nanda, tem cerveja preta? Abre só uma!', e sempre eram duas, né, vó?”

Maria era muito religiosa e inúmeras vezes deu terços à neta, que relembra com saudade a sua voz baixinha rezando-o. Doces lembranças.

“Ela não fez viagens internacionais, mas foi a pessoa mais viajada que já conheci, pois onde havia um filho, um neto, bisneto ou tataraneto ela estava”, diz Fernanda. Os pacotinhos de balas de coco que levava como presente para a família eram a simplicidade e o carinho que trouxe consigo por toda a vida. Eram também para adoçar a vida dos seus queridos, porque a dela já era doce e cheia de felicidade.

“Amou a vida e a Deus como muito poucos. Era tão humilde e paciente que até me constrange pensar: será que um dia conseguiria eu também ser assim?”, questiona-se a neta, e prossegue: “A quem disser que a senhora descansou, responderei: descansou, que nada! Foi é para o céu empurrada!” Adorava a vida!

Na visão de Fernanda, a avó só deixou que os anjos a levassem porque eles disseram que seu amor Armindo estava com as cartelas de bingo na mesa e com os feijões contados, e que seus dois filhos também já estavam com suas cartelas preparadas. Para terminar de convencê-la, os anjos, já de mãos dadas a ela, lembraram ainda que o brinde da rodada era a vida eterna no colo do Pai e que a ponte para lá, construída com os inúmeros rosários rezados, estava pronta para ser inaugurada e que Nossa Senhora de Aparecida estava com a tesoura na mão para cortar a fita de inauguração.

Gente querida não faltou para festejar sua chegada e gritar bem alto: “Ela foi nossa Maria na Terra!”

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"A vó tá fazendo cuca pra nós...
A vó tá rezando o terço..."

As recordações a seguir são da neta Vanessa, que nos contou o quanto a avó era querida e única:

Dona Maria era uma pessoa com muita vontade de viver. Era muito vaidosa e estava sempre com seus cabelinhos de neve bem-penteados, unhas bem-feitinhas e muito perfumada. Ia todos os finais de semana na missa, não tinha quem não a amasse. Era muito carismática e estava sempre rezando por todos.

Fazia uma cuca que só ela sabia fazer — a "Cuca da vó", assim chamamos aqui.

Amava jogar bingo, tinha uma bondade e uma generosidade que desconheço.

Sabia puxar uma boa prosa, podia ficar horas e horas conversando... Adorava contar histórias de seu passado, de sua vida. Dávamos muitas risadas... Seu abraço era o melhor colo e, nas muitas vezes que precisei, ela só me abraçava e nunca falava nada. Do lado dela eu tinha paz.

Suas últimas palavras para mim foram assim: "Vanessaaaaaa, a vó tá indo, tá bom? Fica com Deus, se cuida, logo volto para passar mais uns dias com vocês... Tchau, cuide-se!"

Devido à pandemia, nos afastamos. Ela foi internada e não voltou mais.

Vó, a senhora vai deixar muitas saudades, muitas lembranças boas. Um dia a gente se encontra! Te amo para sempre!

Maria nasceu em Joinville (SC) e faleceu em Santa Catarina (SC), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas netas de Maria, Fernanda do Nascimento e Vanessa Heerdt da Cunha. Este tributo foi apurado por Irion Martins e Lígia Franzin, editado por Míriam Ramalho e Lígia Franzin, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de setembro de 2020.