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Maria Leandro Taveira

1947 - 2020

Aproveitou a vida ao máximo, a seu modo, com simplicidade. Gostava de dançar e frequentar as festas de São João.

As durezas impostas pela vida não tiraram de Maria a sua alegria de viver. Crescida na área rural do interior do Ceará, aproximou-se desde criança da família de Josete, de quem virou amiga da vida inteira. Passaram juntas a infância em brincadeiras nas árvores, em banhos de rio e com as traquinagens típicas da idade.

Filha de um lavrador e de uma lavadeira, Maria de Pedrina, como a chamavam em referência ao nome da mãe, nunca frequentou a escola e só aprendeu a assinar o próprio nome e outras poucas escritas. Mesmo assim, buscou com o próprio trabalho a sua independência. Ainda moça, seguiu o rastro da amiga e, de trem, chegou até Campina Grande, na Paraíba, onde passou a trabalhar como empregada doméstica. Sempre prestativa e generosa, deixou sua marca em muitas residências da grande cidade. Ganhou de um patrão um pedaço de terra onde, mais tarde, já como funcionária de limpeza do posto de saúde local, conseguiu construir a casa própria. Complementava a renda vendendo tapioca, bolo de coco, pé de moleque. “Foi uma guerreira”, define Josete, saudosa da amiga que considerava como uma irmã. Tempos depois, arranjou emprego no hemocentro da cidade, onde pretendia ficar até se aposentar.

Gostava de namorar, até mesmo na maturidade, mas não se prendeu aos pais das crianças em oito gestações pouco planejadas. Maria criou sua prole sozinha. Perdeu dois deles – Mauro e Ricardo. Na dificuldade, chegou a deixar dois bebês – Socorro e Alexandro – para adoção, sem nunca mais tê-los visto, remorso que a corroeu ao longo da vida. Para amenizar a ferida, encontrou em Alisson seu alento e o trouxe para integrar a família – um garoto no meio das cinco filhas: Francisca Cleide; Patrícia; Vitória e Maria das Dores. Fez do seu terreno o espaço para que todos eles erguessem suas casas em volta e, assim, ninguém se separasse.

Quando ia para as festas de São João, trazia as comidas típicas para a amiga de infância, que “puxava sua orelha” por abusar das guloseimas apesar do diabetes. Maria respondia com bom humor: “vou comer só uma vezinha”.

Curtia os netos e se deleitava com os prazeres mais sofisticados que a filha Patrícia lhe proporcionava com viagens à praia e estadia em hotéis. Compartilhava as fotos na rede social como quem transforma a batalha árdua de sempre em triunfo.

Sua maior característica? A amiga Josete não vacila e responde: “a lealdade”!

Maria nasceu em Lavras da Mangabeira (CE) e faleceu em Campina Grande (PB), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela amiga de Maria, Josefa Josete da Silva Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 30 de maio de 2021.