1952 - 2020
Ao fim da tarde, sua hora favorita, proseava com as amigas na frente de casa.
Foi na festa da padroeira que Maria disse sim. Pra quem via, era uma cena ingênua: uma moça aceitando um sorvete oferecido por Canuto, garoto galanteador e requisitado pelas jovens solteiras. Mas tanto para Canuto, que oferecia, quanto para Maria, que aceitava, era sabido que havia algo além da gentileza. Algo não visível. Algo que só os dois podiam sentir. Naquele momento, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Novo Aripuanã (AM), o sorvete era o convite para um futuro a dois. Dali, foi um passo para que a jovem deixasse de ser Maria. O “sim” ao sorvete batizou a moça com o costume da terra: tornara-se Maria do Canuto. Com a bênção de Nossa Senhora!
O relacionamento que nasceu da gentileza cresceu com amor. Os frutos foram quatro: Claudemir, Patrícia, Mayara e Nayara. Sua frase predileta diz tudo sobre a família: “Só se sabe o que é amor de verdade quando se é pai e mãe”. Sabendo que amar é libertar, Maria incentivou os mais velhos a realizarem seus sonhos. Assim, foram para Manaus estudar e formar família. Desde então, os encontros com a família inteira tornaram-se raridade. Mas a saudade sempre foi amenizada pelos telefonemas. As netas Adriny, Julie e Lara sempre ligavam pra saber como estava a vó Maria. O último encontro de todinhos juntos foi para a reforma da casa de Maria do Canuto. Ela estava feliz e realizada. Com a casa, com a família. Seu maior orgulho era ter dado uma “ótima educação aos filhos”, como lembra o primogênito, Claudemir.
Com a família, Maria gostava de relembrar duas histórias. Duas viagens. A de Alter do Chão (PA), onde, apesar de estar nas praias de areia fina e branca, o que mais encantou Maria foram os charutinhos, um tipo de peixe frito consumido no lugar. Ela se apaixonou pelos charutinhos! Já a do Rio de Janeiro (RJ)… É uma história especial, pois prova como Maria do Canuto era alguém alegre: no aeroporto, já na sala do embarque, empolgada com a viagem, dona Maria estava preparada. Na mão, o bilhete e o RG. Ao primeiro chamado, estaria prontinha para embarcar. Diante da mulher a postos, um atendente a aborda: “Azul?”, se referindo à companhia aérea. Assustada, ela olha para a mão e para o RG que segurava. Certa da sua sanidade, responde: “É verde!” - e mostra o documento. Todos riram muito! Todos ainda riem muito com essa história.
A maior virtude de Maria: manter as amizades. Estava sempre a postos para ajudar quem amava. Pra isso, não tinha descanso. A rotina era agitada. Acordava logo às cinco da manhã, cuidava da casa, trabalhava na lojinha. Uma lojinha pronta a atender qualquer necessidade do bairro: vendia estivas, roupas, calçados, gelo… de tudo um pouco! Era um dia todinho vivido à espera da tradicional prosa na frente de casa.
No fim da tarde, quando o calor é menor e as histórias se acumulam, cada um leva a sua cadeira para a rua. A de Maria do Canuto era vermelha, confortável o suficiente para mantê-la com a cabeça apoiada e os braços descansando. Com balanço para dar uma ventilada. Juntava quem queria. Vizinhas, família. Tinha café, tinha farofa de ovo, tinha tucumã pra quem quisesse. E a vida era contada, narrada, compartilhada. Jurema, Nazaré, Dona Maria, Ozanilda, Tia Walda eram as vizinhas prediletas.
Pra quem via, era mais uma cena ingênua: só gente descansando do dia. Mas era mais. Sempre era mais. A vida era justificada naquela hora da troca. Já beirando os 70, encerrava o assunto: “Velho é o mundo, que não tem idade!”. Maria do Canuto sabia das importâncias do viver alegre com a família e os amigos.
Maria nasceu em Novo Aripuanã (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Maria, Claudemir Flores Lira. Este texto foi apurado e escrito por Carolina Margiotte Grohmann, revisado por voluntário e moderado por Rayane Urani em 28 de maio de 2020.