1942 - 2021
Tudo o que ela plantava ia pra frente, conseguia recuperar plantinhas que já estavam dadas como perdidas.
Mãe de quatro filhos, deixou um pedaço de si para cada um: Monica, a mais velha, herdou o temperamento e a aparência da mãe; o talento culinário passou para Marlise, e o amor pela natureza e pelos animais foi herdado por Marco Antônio; já a filha mais nova, Maria Lucia, foi a mais mimada e, assim como a mãe, deixou muita saudade para a família. Todos, incluindo o marido de Marles, Manoel, tinham algo em comum: seus nomes começam com a letra "M".
Os seis netos — Julia, Marcelo, Ettore, Pedro Henrique, Vitor Hugo e Hendrew Mathews — também aproveitaram o amor e afeto da "vovó", como gostavam de chamá-la. Todos tinham um lugar especial em seu coração, mas foi Julia, a mais velha, quem recebeu o título de "querida da vovó ", já que era a única menina entre os netos. As duas mantinham uma relação de proximidade linda de se ver: Julia compartilhava de tudo com a avó e estava sempre presente na casa de Marles para o almoço.
Mesmo com uma família linda e unida, o amor de mãe, para Marles, ia além dos laços de sangue: tratava o genro, Pedrinho e a nora, Hérica, como se fossem seus próprios filhos, com carinho e afeto. Claudia também foi uma de suas filhas de consideração: ajudava Marles com a casa quando tinha apenas 17 anos e foi a partir daí que surgiu entre elas o amor e a parceria. Marles foi a conselheira de Claudia quando ela adoeceu, e foram os talentos de Marles como enfermeira que a ajudaram. “Esse dom para ajudar como enfermeira fez minha mãe iniciar, nos anos 90, um curso de Técnico em Enfermagem, que ela não chegou a completar”, relembra Monica.
Manoel foi o amor de sua vida: em 2020, os dois completaram cinquenta e oito anos de companheirismo, carinho e respeito. Marles era pé no chão; o marido, sonhador... E mesmo com as diferenças, os dois faziam de tudo juntos. As longas viagens de carro ou de avião estavam sempre nos planos: fosse para ir a Ituiutaba, fosse para visitar o Sertão Baiano. Os filhos também participavam dos passeios, quando crianças, e amavam viajar de Kombi para Leopoldina, a cidade natal de Marles, mesmo sendo uma viagem de 11 horas.
Estar em contato com a natureza era o que trazia alegria para Marles. Amava plantar e cuidar das suas plantinhas — e fazia tudo com muito amor. “Tenho uma jabuticabeira bonsai média, que foi uma muda que ela tirou de outra jabuticabeira bonsai, que era da minha irmã. Ela ainda está no vaso, a mais de dezoito anos, e deu mais de 50 jabuticabas desde o dia primeiro! Em uma ocasião ela pegou umas sementes de mulungu na fazenda onde meu irmão morava e as guardou. Mais de dez anos depois, ela encontrou e plantou. A mudinha ficou linda! Ela plantou na praça que tenho na frente de casa. A árvore está enorme, mas ainda não floriu. Ela dizia: 'Será que vou estar viva quando você der flor?' Sim, ela conversava com as plantas”, relembra Monica, com carinho. Um dos passeios que Marles fazia com os filhos e sobrinhos quando eram crianças envolvia dirigir por estradas de terra desconhecidas até encontrar algum lugar calmo e belo para um piquenique - sempre em meio às árvores, grama, rios ou cascatas.
“São Francisco de saia” foi o apelido que Manoel deu à Marles, já que, além de ela amar a natureza e não ter medo de nenhum animal, também conseguia dar carinho a todos. Seu amor pelos animais envolvia desde o passarinho que ela salvou de um afogamento até os seus companheirinhos de vida: Pfaff, Léo, Samira e Leah. Ela conheceu Pfaff após a gata ter sido resgatada por seu filho, nos anos 80, e cuidou dela com muito carinho em todas as suas ninhadas. Léo foi um dos filhotes que permaneceu na família e que, mesmo com problemas de saúde, viveu durante dezoito anos ao lado de Marles. Já Samira, a Dálmata que a acompanhou durante a velhice, sempre lambia os lábios ao ouvir a dona oferecendo "um leitinho”. Por fim, em outubro de 2019, Leah, uma gatinha, do tamanho da palma da mão de Marles, foi resgatada e passou a fazer parte da família.
Os talentos de Marles eram muitos, mas aquelas refeições que ela preparava serão lembradas sempre: nem os portugueses a superavam quando o assunto era bacalhoada. Tudo o que ela cozinhava dava água na boca da família; utilizava cada tempero e alimento com maestria, deixando o ambiente com um aroma incomparável.
Foi uma mulher quieta, observadora, muito sagaz e dona dos melhores conselhos. A sua organização era tanta que ela podia, frequentemente, ser vista conferindo o extrato bancário, com os seus cadernos de anotações sempre por perto. A alegria podia ser vista em seus olhos quando os números do extrato batiam com as suas contas: “BATEU” — era o que ela dizia. Foram os seus cadernos de anotações que possibilitaram que Julia fizesse uma homenagem para a avó: ela tatuou a frase “querida da vovó” com a própria letra de Marles.
Marles estará sempre presente nos corações de sua família e de seus amigos.
Marles nasceu em Leopoldina (MG) e faleceu em Taubaté (SP), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Marles, Monica Leite Lopes Moreira. Este tributo foi apurado por Mariana Ferraz, editado por Mariana Ferraz, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 19 de janeiro de 2022.